Isto também importa em final de ano letivo
Continuará a haver pais que se amedrontem com os filhos poderem chegar atrasados à faculdade, outros que fiquem noites sem dormir porque o filho está no 9.º ano e não sabe o que quer. Não há verdades absolutas, mas há umas que se aproximam mais do que outras.
“O que queres ser quando fores grande?”. No universo das frases/perguntas cliché esta será a que mais me incomoda particularmente. Ainda hoje eu me questiono do que gostaria de ser quando for grande. E “grande” significava que tempo? Que quantidade?
As respostas, numa determinada idade, prendem-se também aos habituais lugares comuns. Os inquisidores, em jeito de memória muscular, esperam um “astronauta, arqueólogo, cientista, advogado” seguido imediatamente de um habitual: “Pois, ele tem jeito, ele até costuma fazer umas experiências em casa.” Na verdade todos fazemos...numa infância mais ou menos regular.
Mais incomodativo ainda é a assunção, quase como verdade absoluta, que aos 15, 16, 17 anos já se deve ter a certeza do que se quer ser ou fazer. Esta assunção ou expetativa poderia fazer sentido há alguns anos atrás. Nestas gerações dinâmicas e plurais definir um caminho certo é quase bizarro.
O sistema de ensino está planificado com expetativas em cada ano curricular. O que não deixa de ser necessário para existir uma espécie de norma, de caminho para facilitar expetativas, aferições. Mas não existe como único desenho possível, há flexibilidade para mais caminhos. E na liberdade dos estereótipos e preconceitos há avanços e recuos.
Há quem repita anos para mudar; há quem mude três vezes de curso; há quem não queira ir logo para a Universidade; há quem não queria ir para a Universidade. Todos estes caminhos são legítimos e todas estes avanços e recuos normas individuais.
Lembro-me de há uns anos atrás um pai de uma criança, que se encontrava no último ano do pré-escolar, não ver com bons olhos o adiamento de escolaridade proposto pela educadora por achar (verbalizando) que o seu filho iria “chegar atrasado à Universidade” (sim, história real). O sistema, por norma, exige escolhas demasiado cedo. Exige-o num tom de certeza e manifestando alguma culpabilização quando esse caminho “falha” esquecendo-se que nas falhas residem acasos e sucessos.
Há um legado difícil de contornar nos fracassos. Mudar de ano, voltar atrás num ano, mudar de curso, ainda tem o cunho do fracassado. As frases são pesadas e as reuniões com um semblante cerimonial.
O espaço ainda continua a ser marcado pelas notas e por aquilo que não é capaz de fazer em detrimento das competências pessoais e humanas. Estas são raramente enaltecidas e valorizadas. O valor quantitativo ainda é soberano e solitário. Há uma leveza urgente, necessária para assumir que há mais caminhos e que a não concretização de um, não poderá definir o futuro. Uma escolha não é uma sentença.
Continuará a haver pais que se amedrontem com os filhos poderem chegar atrasados à faculdade, outros que fiquem noites sem dormir porque o filho está no 9.º ano e não sabe o que quer. Outros que procuram psicólogos porque o filho não quer ir para a Universidade. Haverá de tudo, de tudo o que sejam expetativas defraudadas, reflexos “fracassados” na gíria pessoal de cada família.
Não há verdades absolutas, mas há umas que se aproximam mais do que outras. Chegaremos atrasados e impreparados para aquilo que não nos faz felizes.
A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico