“As cidades deixaram de estar na órbita das políticas nacionais”

Ciclo de Conversas Urbanas mediu o pulso ao evoluir das smart cities em Portugal: o coração bate, mas precisa de um desfibrilhador.

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Nuno Ferreira Santos

O progresso das cidades inteligentes (ou smart cities) em Portugal parece sofrer de arritmia. Há alguns exemplos de boas práticas, mas o panorama global está longe de ser o desejável. É necessário acelerar o processo de colocar a tecnologia ao serviço do bem-estar dos cidadãos. O caso da mobilidade é talvez dos mais gritantes neste avanço em câmara lenta: há meios disponíveis, há estudos sobre o que fazer e como fazer, mas… falta o resto. “Falta sensibilização em termos de política urbana. As cidades deixaram de estar na órbita das políticas nacionais”, resume José Carlos Mota, investigador na Universidade de Aveiro.

O debate do ciclo Conversas Urbanas, promovido pelo PÚBLICO, em parceria com a empresa municipal Gaiurb, procurou saber como é que a tecnologia está a ser usada para gerir e planificar as cidades, rumo às smart cities. O ritmo desta transformação faz-se sentir, mas ainda há um longo caminho a percorrer. “O nosso modelo administrativo está centralizado em Lisboa e há uma visão atomizada a nível municipal”, acrescenta José Carlos Mota, para quem “falta algum esforço de intermunicipalidade”. Ou seja, de colaboração entre municípios no desenho de várias políticas, como a da mobilidade.

Catarina Selada, responsável pelo City Lab do CEiiA – Centro para Excelência e Inovação para a Indústria Automóvel, dá o exemplo de Cascais. “A tecnologia não é um meio, mas um fim em si mesma. Cascais foi a primeira cidade portuguesa a definir um roteiro para a neutralidade carbónica, até 2030. O CEiiA tem vindo a trabalhar numa plataforma que integra todos os operadores do concelho, na construção de rotas integradas dos diversos meios de transporte”, disse.

Até ao momento, mais de 65 mil cascalenses subscreveram uma aplicação que lhes permite planear viagens utilizando vários meios de transporte – autocarros, bicicletas, trotinetes, etc. Além disso, adianta Catarina Selada, a gratuitidade dos transportes públicos em Cascais “tem trazido mais gente para este tipo de mobilidade”.

Desenvolvimento em desequilíbrio

Mas nem tudo são rosas neste mar de desenvolvimento desequilibrado. “Fizemos um Radar de Inteligência Urbana e há muitos municípios que ainda estão a fazer a transformação interna da administração, outros que fazem abordagens muito sectoriais, não integradas, e depois um grupo mais pequeno que tem a cidade como plataforma”, explica Miguel de Castro Neto, o coordenador NOVA Cidade – Urban Analytics Lab e ex-secretário de Estado do Ordenamento do Território.

“A cidade que funciona bem é aquela em que a gestão das estruturas passa despercebida”, defende Castro Neto, que dá como exemplo os espaços das universidades: “Porque é que ao fim-de-semana não são espaços culturais abertos? Ou à noite não servem de local de ensaios para grupos de teatro da freguesia?”

Por isso é que José Carlos Mota defende a ideia de “mobilização da inteligência colectiva, com o recurso às tecnologias antigas, como o diálogo e a colaboração”. O investigador dá o exemplo da Gaiurb, que durante a pandemia, abriu a discussão numa discussão pública sobre o território “e as pessoas partilharam memórias e referências, identificaram problemas”.

A sistematização da recolha de dados, a partilha pública dos mesmos e a aprendizagem acerca da mudança de hábitos das pessoas, como consequência dos confinamentos durante a pandemia, foram outros dos pontos apontados como essenciais neste debate. “Devemos aproveitar o que a tecnologia nos oferece para mudar o nosso estilo de vida, para não voltarmos ao ponto onde estávamos. As mudanças têm de ser feitas com as pessoas e não contra as pessoas”, remata Miguel de Castro Neto.

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