Corrupção: o que se diz que não deve ser dito, e o que não é dito que o deve ser

Quem diz que o Índice de Percepção da Corrupção não é um bom indicador da corrupção está errado. Mas está errado pela razão errada.

1. Quem diz que o Índice de Percepção da Corrupção (IPC)​ não é um bom indicador da corrupção está errado. Mas está errado pela razão errada. Duplo erro. Isto é, não está errado por argumentar que percepções são apenas percepções e não factos. Nisso está correcto. O argumento é outro.

2. Efectivamente, percepções não são, necessariamente, factos. As percepções, no entanto, estão negativamente correlacionadas com a riqueza per capita ou a riqueza média (ver gráfico em baixo — quanto menor o IPC, maior a percepção de corrupção). Assim, maiores níveis de percepção acabam por ser mesmo um indicador de maior corrupção, não por serem apenas opiniões mas porque estão associadas a níveis de desenvolvimento menores, a instituições mais frágeis, precariedades diversas, menores níveis de confiança entre os membros da mesma sociedade, etc.

3. Ora, o problema é que quem defende o IPC como sendo um bom indicador da corrupção não o explica bem. Não se tem conseguido libertar da fragilidade de argumentos do género “se há fumo há fogo”, “se as pessoas assim o sentem algo está mal”, “aumentou o nível de percepção”, “descemos no ranking”, entre outros. Os níveis de percepção são um bom indicador da corrupção, de facto, porque aquela relaciona-se diretamente com fatores sócio-económicos-institucionais de atraso que favorecem a corrupção.

4. Quem utiliza quedas no ranking IPC para alertar para os problemas da corrupção não o deve fazer a partir de argumentos construídos em torno de percepções (porque vai ouvir que não são factos), mas sim a partir de argumentos que refiram a incapacidade de crescimento económico e a falta de desenvolvimento em Portugal (porque não são opiniões, são factos).

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5. No caso de Portugal, a gravidade do vírus da corrupção é sustentada muito para além do IPC (o que reforça/valida ainda mais a adequação deste índice para aferir os níveis de corrupção, de facto, em Portugal). Ora vejamos:

  • Este ano, no passado mês de fevereiro, a Comissão Europeia abriu um processo de infração contra Portugal devido à incorreta transposição para a legislação nacional das regras europeias contra a lavagem de dinheiro.
  • O Parlamento Europeu estima que a corrupção em Portugal custe o equivalente a 8% a 10% do PIB.
  • Segundo o índice do The Economist, Portugal voltou a ser desclassificado da categoria “país totalmente democrático”.
  • Segundo a Associação Transparência e Integridade – Portugal, a estratégia nacional de combate à corrupção 2020-2024, apresentada recentemente pelo governo, é “vaga, insegura e acanhada, excessivamente legalista e muito pouco ambiciosa”.
  • Em 2019, e de acordo com o GRECO, entidade do Conselho da Europa que monitoriza o combate à corrupção, apenas uma das 15 medidas anticorrupção recomendadas em 2016 tinham sido plenamente implementadas em Portugal (6,7%).
  • O Estado português nunca promoveu uma relação ativa com os seus stakeholders (grupos de interesse), no sentido de promover uma avaliação integral e multi-institucional dos organismos que se dedicam à prevenção e combate à corrupção.
  • Reflexo de uma cultura de “portas giratórias” e conflitos de interesse instalada no setor público-estatal em Portugal, na última década o preço das telecomunicações subiu 6,5% em Portugal, enquanto se assistiu a uma descida de 10,8% na UE. Situações semelhantes ocorreram com as autoridades dos sectores da energia, combustíveis, mercados de valores mobiliários e bancário e encontram-se amplamente documentadas.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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