Ambiente, assim estamos
Todos os ecossistemas, a qualquer escala, só podem ser corretamente interpretados, usados e geridos com a compreensão dos fenómenos geológicos que lhes estão na base.
“Como inspirar as pessoas a agir e conectar pequenos passos em direção a mudanças coletivas e transformadoras?” foi a pergunta das Nações Unidas no lançamento da Década das Nações Unidas da Restauração de Ecossistemas, no Dia Mundial do Ambiente, a 5 de junho. Não se trata de uma escolha, é uma urgência, um ultimato, um dever.
Os ciclos naturais e os ecossistemas que lhes estão associados estão fortemente ameaçados. Por cá, em meados do passado mês de maio, o país esgotou os recursos naturais para o nosso modo de vida em 2021. Ainda faltam sete meses para o fim do ano e já estamos a viver da “conta poupança” da natureza, da conta não renovável. Somos um país insustentável que ano após anos antecipa a data da sua insustentabilidade. Como nós, muitos outros, e por isso o grito de desespero da ONU. O mais surpreendente é que este vergonhoso resultado acontece num ano em que os quatro meses e meio em que gastámos os recursos sustentáveis o país esteve confinado. Só isto nos devia bastar para perceber seriamente que temos de arrepiar caminho, urgentemente.
O primeiro passo para a restauração dos ecossistemas é estancar e inverter o processo de degradação e esgotamento do meio em que temos vivido. Depois, é necessário compreender a essência da dinâmica de cada ciclo e sistema naturais, as suas relações com tudo à volta e, fundamentalmente, as suas bases. É aqui que a geologia, como nenhuma outra ciência, pode contribuir de forma decisiva e positiva. Todos os ecossistemas, a qualquer escala, só podem ser corretamente interpretados, usados e geridos com a compreensão dos fenómenos geológicos que lhes estão na base. É obvio que só com o saber da geologia é possível um restauro, e até mesmo uma valorização eficaz e duradoura, dos ecossistemas. A própria etimologia da palavra “geologia” é inequívoca.
Desde logo, devemos ter sempre presente que a localização geográfica de Portugal lhe confere uma situação tectónica ímpar. As consequências desta realidade saltam aos olhos de todos, na paisagem, e debaixo dos nossos pés, na geodiversidade. Na verdade, os nossos rios e serras são essencialmente transversais e toda a diversidade paisagista e cultural que, tão bem, nos caracteriza, encontram aí, no substrato rochoso, na geodiversidade, a sua mais profunda e autêntica causa. Neste contexto, junta-se ainda o Atlântico – a nossa exposição atlântica também tem uma significativa palavra na equação da sustentabilidade da terra lusa. As pessoas e a sua cultura são a terra onde nascem e vivem, e é por isto que da costa para o interior, de sul para norte, ou ao contrário, tudo muda em poucos quilómetros: a paisagem, as pessoas, a cultura, os saberes. Este é o quadro, quase sempre ignorado ou esquecido, em que vivemos. Como sabemos e sentimos, a situação a que chegámos não é sustentável. O que tenho eu a ver com isto? É a pergunta, nem sempre inocente, de muitos. O que posso eu fazer? Provavelmente, como quase sempre, este é um dos primeiros grandes desafios da ONU: explicar que cada um de nós é um ator essencial.
Na verdade, é no lugar onde vivemos que muito se passa e é aí que cada um pode e deve atuar. Neste mundo global, sem fronteiras, os recursos essenciais à vida (água, solo, minerais, floresta, etc.) são locais. O futuro sustentável a que a ONU apela, e que a vida nos exige, só é possível com um presente substancialmente diferente que assente em recursos renováveis e respeite os seus ciclos de renovação. As iniciativas e ações que vierem a ter lugar têm de ir muito além de bons exemplos pontuais, têm de constituir verdadeiros e poderosos catalisadores de mudança.
A grande geobiodiversidade de Portugal, e o consequente capital natural, traduz-se, na prática, em todo o tipo de ecossistemas que carecem de atenção. Todavia, pela contingência climática, o ciclo da água deve merecer a nossa maior atenção, não só como ecossistema, mas também como recurso essencial à vida e como meio recetor, e também pelos riscos associados – seca, cheias, contaminação, etc. Para além de muitas outras razões, a cada vez maior irregularidade do ciclo hidrológico a isso nos obriga.
Fica uma grande pergunta: poderemos contar com os órgãos de decisão/poder para fazer o que devemos e respondermos de forma positiva ao grito da ONU?
Em consciência, cabe a cada um cumprir a sua quota-parte. É uma questão de bom senso e educação ambiental em que a Associação Portuguesa de Geólogos tem investido, pois, se o conceito de biodiversidade é a todos familiar, é bom sublinhar que esta não existiria sem a geodiversidade.
Os autores escrevem segundo o novo acordo ortográfico