Porque é que estamos cada vez mais gordos?

Estudos mostram que a obesidade é mais passível de preconceito e discriminação do que o género ou questões raciais, incluindo no local de trabalho, instituições educacionais, e até mesmo nos cuidados de saúde. Infelizmente, no caso da obesidade, esta atitude continua a ser socialmente aceitável e raramente é desafiada. Hoje assinala-se o Dia Nacional de Luta contra a Obesidade.

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Samuel Ramos/Unsplash

A obesidade é uma doença crónica, multifactorial e, simultaneamente, factor de risco para outras doenças. Recentemente, a OCDE apontou uma taxa de 67,6% de excesso de peso e obesidade em Portugal, o que nos coloca em terceiro lugar na Europa com maior prevalência da doença.

De facto, a obesidade é uma condição complexa que depende de factores genéticos, desenvolvimentais, psicológicos e sociais. No entanto, continua-se a estigmatizar as pessoas com obesidade como se fossem culpadas da sua condição. São vistas como “preguiçosas”, “indisciplinadas” ou “sem força de vontade”, sujeitas a insultos e até mesmo agressões físicas. Há estudos que mostram que a obesidade é mais passível de preconceito e discriminação do que o género ou questões raciais, incluindo no local de trabalho, instituições educacionais, e até mesmo nos cuidados de saúde. Infelizmente, no caso da obesidade, esta atitude continua a ser socialmente aceitável e raramente é desafiada. Como resultado, milhares de indivíduos com obesidade acabam desclassificados (e/ou demitidos) de funções para as quais têm competências, são ostracizados, o que aumenta o afecto negativo e, consequentemente, a ingestão calórica. Logo, o estigma está a contribuir para a obesidade.

Por outro lado, ainda se continua a acreditar que o sucesso em emagrecer vem da privação e do sacrifício, com muitos profissionais de saúde a dizerem que é preciso “comer menos e gastar mais”. Esta linha de pensamento negligencia as razões complexas pelas quais se come demais, em primeiro lugar, e não dá as ferramentas necessárias para se implementar a sua simplista equação, deixando implícito que o fracasso decorre da falta de “força de vontade”. Este mito já vem do tempo em que Eva foi proibida de provar o fruto da árvore do conhecimento, mas pecou. Ainda hoje os seus descendentes pagam por essa falha moral. Não culpemos Eva por não conseguir resistir à tentação: culpemos esta cultura obesogénica porque é ela que está por detrás do desequilíbrio nos sistemas que regulam o apetite e o gasto calórico.

A teoria do set point defende que a regulação do peso, a par de outras funções essenciais à vida (como a respiração e a temperatura) faz-se através do trabalho de bastidores do cérebro. Claro que isto também nos traz desvantagens. Uma delas é que o nosso cérebro inconsciente tem uma opinião própria quanto ao peso “ideal” de cada um de nós e se houver oscilações vai tentar recuperá-lo, através da libertação de mais de uma dúzia de sinais neuroquímicos que “comandam” o processo. Podemos comparar este sistema a um termóstato que responde aos sinais vindos do corpo e que ajusta a fome e saciedade tendo em conta o nível de actividade e metabolismo para manter o peso dentro de parâmetros estáveis, conforme as condições mudam.

Ora, quando as pessoas fazem dieta este termóstato vai tentar recuperar o peso “ideal” de uma forma bastante eficaz: envia constantemente sinais de fome e reduz o metabolismo. Assim, depois de uma dieta temos mais fome e queimamos menos calorias. É também por isso que as pessoas tendem a recuperar o peso que perderam na dieta, ou mesmo a aumentá-lo. Por outro lado, se nos mantivermos com excesso de peso durante muito tempo, o cérebro assume que isso é o novo normal e altera o set point para cima. Como a vida é injusta.

É imprescindível compreender a obesidade como uma doença multifactorial e não como uma falha moral das pessoas. É urgente uma mudança de paradigma.

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