Cimeira Social da UE e a miopia política

A Europa está mergulhada em várias problemas de grande dimensão e complexidade, sendo envelhecimento da sua população, porventura, o mais grave de todos, pelas consequências económicas, sociais e, sobretudo culturais.

A Cimeira Social do Porto foi considerada o momento mais importante da Presidência Portuguesa da União Europeia (UE) tendo sido definida a agenda social da Europa para a próxima década.

No entanto, o cumprimento dos objectivos assumidos – que são meritórios - depende mais dos governos nacionais do que da UE. A União está a alimentar expectativas nos cidadãos que não dependem de si satisfazer sendo possível inferir que muito pouco mudará para o cidadão europeu, porque é preciso transformar declarações proclamatórias em acções concretas.

A “Declaração do Porto” é uma declaração de intensões com uma lista de generalidades e um somatório de desejos que todos podem subscrever. Não foi decidida nenhuma medida concreta porque a Comissão Europeia não tem competência para agir nessa área, mas foram definidas metas que os governos dos Estado-membros (EM) têm de atingir até 2030. Porém, o comissário europeu Nicolas Schmit disse, sem rodeios, que “integrar os direitos sociais nos tratados será muito difícil”.

Existem ainda dois aspectos que me levam a não ser muito optimista. Por um lado, a experiência do passado diz que ao serem definidos objectivos muito ambiciosos como os da Estratégia de Lisboa – a Europa iria ser a economia mais competitiva e dinâmica do mundo até 2010 -, acabaram por não se concretizar; e, por outro, existe uma repartição de poder entre as instituições europeias e os EM que detém as competências sociais.

A estagnação e crescente divergência económica e social têm colocado em causa a forma tradicional de legitimação da integração europeia. A “Declaração do Porto” é apenas o último exemplo dum ciclo vicioso, que compensa a sua aparente ineficácia com promessas de um futuro glorioso. E o excesso de promessas contribui para a desacreditação das instituições.

A verdade é que há diferentes noções do que é a Europa Social entre os diferentes EM e essas divergências impedem a União de adoptar iniciativas concretas neste domínio. Para os países mais ricos a Europa Social significa, sobretudo, proteger o seu modelo social da concorrência económica dos outros EM. E há outros países que gostariam que Europa social fosse uma Europa mais solidária entre EM, com a criação de novas prestações sociais financiadas com dinheiro europeu, mas isso é o que os Estados mais ricos não querem. Perante este impasse, a UE faz declarações de direitos e objectivos sociais sem medidas concretas que os garantam.

A crise sanitária colocou os assuntos económicos e sociais de curto prazo à frente dos temas demográficos de longo prazo, que mereciam um grande debate e discussão alargada no âmbito da UE. Com efeito, a Cimeira do Porto surgiu numa altura em que a UE já atravessa um período de profundas mudanças sociais e demográficas. A prioridade daquela cimeira europeia devia ter sido sobre o grave problema da demografia, pois a UE vive um verdadeiro “inverno demográfico” (Gérard Dumont) com consequências sociais e económicas catastróficas. Os efeitos serão severos e duradouros.

Este cenário de proporções inusitadas é alarmante, mas “ninguém na Europa fala abertamente deste problema e menos ainda se prepara para o enfrentar”, de acordo com investigadores da Fundação “Robert Schuman”, havendo um entrave ao crescimento económico e ao bem-estar das futuras gerações. Isto só acontece por existir alguma miopia política na UE perante a enorme crise demográfica.

A demografia é o resultado combinado de três factores: natalidade, esperança de vida e fluxos migratórios. Ora, no longo prazo, são esperadas mudanças demográficas de enorme escala em Portugal e na Europa. Na UE o número de nascimentos não é suficiente para assegurar a renovação das gerações e com a população em declínio, a Europa acabará por perder 50 milhões de habitantes em idade activa até 2050. E no final do presente século, a UE apenas representará 4% da população mundial com um enorme declínio da população activa.

A Comissão Europeia admite a gravidade do problema, mas o assunto continua a não estar no centro da discussão. E, apesar de recomendar alterações no mercado de trabalho e nos sistemas de protecção social, alerta que essas políticas competem a cada EM. Contudo, estes não definem objectivos nem tomam medidas no âmbito de políticas de prevenção e de resposta à baixa natalidade, bem como política de vizinhança em que as migrações assumem um papel decisivo. Ou seja, falta uma estratégia europeia de médio e longo prazo. Podemos, a esse respeito elencar todo um conjunto de medidas e acções em vários domínios que vão das finanças públicas, ao crescimento económico, emprego e mercado laboral, educação, formação ao longo da vida e serviços de saúde.

Acresce que o envelhecimento da população desafia a sustentabilidade financeira dos sistemas de segurança social devido ao aumento das despesas em pensões, serviços de saúde e de cuidados. Uma população mais idosa terá impacto na concepção de políticas públicas, sobretudo da política fiscal, imigração, segurança, planeamento do território, habitação, transportes, ambiente, educação, cultura, relações industriais, família e lazer.

Apesar de não constar da agenda política, a demografia é considerada o maior motor de um país com um forte impacto na economia. Na realidade o envelhecimento fará diminuir para metade o potencial de crescimento económico da Europa até 2040. E a tecnologia não será suficiente para o contrariar.

O problema, porém, está longe de ser apenas económico, havendo o risco de ocorrer uma convulsão social e cultural. A pressão migratória sobre a UE será maior do que nunca, provocada por um aumento da população em África, crescimento de 1,3 mil milhões de habitantes nas próximas três décadas, dos quais 130 milhões no Norte de África. Haverá um choque demográfico: uma implosão dentro da UE e uma explosão fora das suas fronteiras, sendo de lamentar que as instituições europeias não actuem de forma proactiva.

A imigração poderá contribuir para absorver o impacto do declínio demográfico, embora se reconheça que não seja suficiente. A integração dos imigrantes é, precisamente, um dos principais desafios da Europa – veja-se a triste realidade que se instalou em Odemira -, que se tornará cada vez mais premente, tendo em conta a dimensão avassaladora do fluxo migratório previsto para as próximas décadas.

Convém recordar que perante a falta de mão-de-obra, os imigrantes serão cada vez mais necessários e será inevitável virem de regiões do globo onde os valores são muito distintos dos europeus. O problema é que, quando há quebra demográfica e recessão, como tem sido o caso da UE, a imigração não é vista como um activo, mas encarada como uma ameaça, o que tem feito crescer a extrema-direita e os nacionalismos, num cenário assustador, que mistura a crise demográfica com xenofobia.

A evolução demográfica na Europa vai também criar tensões e conflitualidade entre os EM com a perda de milhões de habitantes em idade ativa. Por isso, alguns desses EM terão e procurar a mão-de-obra qualificada que necessita noutros países. As consequências serão dramáticas, porque é sabido que, sendo a emigração um fenómeno seletivo, são sempre os mais qualificados os primeiros a partir, enfraquecendo as regiões de origem do seu recurso mais precioso que se tornará escasso. E isto é um problema Europeu.

A Europa está mergulhada em várias problemas de grande dimensão e complexidade, sendo envelhecimento da sua população, porventura, o mais grave de todos, pelas consequências económicas, sociais e, sobretudo culturais. Para o contrariar a UE terá de encontrar um ponto de equilíbrio que permita garantir controlo, confiança, compromisso e estabilidade, pois o futuro depende do crescimento demográfico sustentado.

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