Ser enfermeiro é escolher a palavra certa no momento certo

Como profissionais de saúde e trabalhando com doentes em fim de vida, cabe-nos a responsabilidade de sermos os veículos desses momentos de serenidade. Nesta quarta-feira, assinala-se o Dia Internacional do Enfermeiro.

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Paulo Pimenta

Sei que era uma adolescente, a idade não me recordo, quando a minha primeira experiência de morte marcou definitivamente o rumo da minha vida. Até esse momento fui uma criança feliz. Não vivia com luxo, sabia dos sacrifícios que os meus pais faziam para me criarem, a mim e à minha irmã gémea, mas o fundamental era o sentimento de segurança e bem-estar que sentia, o sentimento de amor e de pertença que a minha família sempre me transmitiu.

Tudo isto foi abalado com a morte do meu avô paterno, pilar fundamental da nossa família. Nessa altura, dei-me conta, pela primeira vez, da fragilidade humana e do sofrimento que isso acarreta. Na véspera da sua morta fui vê-lo ao hospital — ainda recordo esse dia como se fosse hoje. Após o terceiro AVC encontrava-se acamado e embora consciente, não lhe era possível verbalizar. Ele quis falar comigo, eu aproximei-me do seu corpo, já débil, ele tentou balbuciar algo que eu não consegui entender e, sem pensar nas consequências do meu acto, fugi para fora do quarto, num choro compulsivo, sem conseguir despedir-me. No dia seguinte, soube que ele tinha falecido. Esta dor acompanhou-me durante bastante tempo. Não pude, nem consegui despedir-me e dizer-lhe o quanto o amava e o quanto a sua presença era importante para todos.

Só passados dez anos de ter terminado o curso de Enfermagem e após vários momentos de introspecção, percebi que a escolha da minha carreira profissional (trabalhar em lar de idosos e cuidados continuados) se devia à minha necessidade de estar próxima daqueles que estão em fim de vida. Saber lidar com as doenças crónicas da terceira idade e poder fazer pelos outros aquilo que não tinha conseguido fazer pelo meu avô: comunicar e saber estar com alguém em situação de grande fragilidade física e psicológica e aceitar a finitude da vida. Encarar a própria vida como algo de belo e que pode ser vivido com muita tranquilidade, inclusive, no momento da partida. Como profissionais de saúde e trabalhando com doentes em fim de vida, cabe-nos a responsabilidade de sermos os veículos desses momentos de serenidade.

Ser enfermeiro/a é muito mais do que ter uma licenciatura na área da saúde, é conseguir escolher a palavra certa no momento certo, para quem a precisa de ouvir. É estar disponível, ser empático, nutrir compaixão pelo próximo e transmitir tranquilidade e esperança. É trabalhar em equipa, gerir equipas e saber ainda responder, de forma assertiva e competente, aos desafios diários que enfrentamos.

Mas ser enfermeiro também é trabalhar com sentido de missão, em prol de quem cuidamos, com o sentimento de que fazemos todos os dias o melhor que sabemos e podemos, abdicando, na maior parte das vezes, do tempo que poderíamos dedicar à família, dos aniversários e Natais que deixamos de festejar para estar a trabalhar. É curar feridas quando as nossas ainda “sangram”, é deixar uma palavra de coragem mesmo quando já sentimos não ter forças para “lutar”.

Sem dúvida que a nossa experiência de vida molda a nossa personalidade, assim como a forma como lidamos com os problemas do dia-a-dia, pois somos confrontados diariamente com o sofrimento alheio, mas não somos, nem nunca seremos, imunes ao sofrimento das pessoas e lamento só sermos lembrados e valorizados quando precisam de nós.

O que também importa dizer, a todos os que nos rodeiam, é que não se esqueçam que, afinal de contas, também somos pessoas, com todas as virtudes e defeitos que isso implica. Pessoas que cuidam de pessoas nas mais diversas situações da vida. Não só estamos presentes no nascimento, para ajudar a trazer vida ao mundo, como estamos presentes ao longo de todo o percurso, assim como no último fôlego dos que partem e permanecemos para apoiar os familiares durante o período de luto.

Como se não bastassem todos estes desafios diários, a pandemia veio, uma vez mais, pôr à prova a resiliência e a resistência física e psicológica desta classe, com todas as consequências nefastas para a nossa saúde física e mental, quer seja a curto, médio ou longo prazo. Mas, de forma espontânea e colocando a família, mais uma vez, em segundo plano, “demos o corpo às balas”, mesmo quando ainda havia tão pouca informação ou quando a que existia era confusa e contraditória — o que, por vezes, ainda hoje se verifica —, levando a que fossemos forçados a mudar as nossas rotinas de trabalho, a reestruturar serviços, a ter que tomar decisões importantes em momentos críticos e de elevado stress. Fazemo-lo em prol daqueles que estão ao nosso cuidado e que temos o dever de proteger e, paralelamente, temos de lidar com sentimentos de medo, anseio, cansaço e exaustão de toda uma equipa de profissionais, utentes e seus familiares.

Enfrentar e ultrapassar todos estes desafios dá-nos ânimo e força para continuar, todos os dias, a lutar pela dignificação da enfermagem, da vida humana e da melhoria da qualidade de vida de todos aqueles que dependem de nós!

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