Fotografia
Um ensaio sobre “deixar de só querer o que está longe”
Daniela Rocha procura as semelhanças entre o que está lá fora e o que já existe dentro de casa. Numa viagem ao primeiro confinamento e ao desânimo de estar fechada, a fotógrafa retrata o equilíbrio entre a vontade de procurar o desconhecido e o encontrar-se no que já se conhece.
Vinte dias depois do início do primeiro confinamento, em 2020, quando a pandemia ainda parecia uma irrealidade, Daniela Rocha pegava na câmara fotográfica pela primeira vez e procurava alguma criatividade num lugar onde “nada parecia bonito” e nada, à partida, “ficava bem”.
A fotógrafa de 27 anos começa por explicar a dificuldade em encontrar beleza no que nos é “tão familiar”, de fotografar o sítio onde se encontrava todos os dias confinada – em casa, com a família, em Braga. Assim que as caminhadas passaram a ser permitidas, a jovem, que está a acabar o curso de Fotografia no Instituto Português de Fotografia, no Porto, queria “matar saudades” e começou a levar a câmara para fotografar na rua, “sem compromisso”. “À medida que ia fotografando ia reparando que algo também era familiar. Aquilo que eu estava à procura, que chamava o meu olhar, era muito familiar”, revela ao P3.
What is out there, we can find it inside é um trabalho fotográfico que se foca nas formas e nos sentimentos de quem esteve confinada. A necessidade de procurar coisas novas foi colmatada com encontros inesperados, nas ruas da cidade de Braga, com aquilo que Daniela tinha em casa e com a vontade, na altura maior do que nunca, de escapar à rotina foi sossegada pelas parecenças entre o que estava fora e o que se encontrava dentro de quatro paredes.
“Habituamo-nos tanto a uma coisa que deixamos de achar bonito e lá fora aparece-nos exactamente a mesma coisa”, as mesmas formas, os mesmos detalhes. “E parece-nos bonito.”
Pela lente de uma câmara analógica, a preto e branco, como é característico de Daniela Rocha, as imagens, que passeiam entre caminhadas de cerca de 20 minutos pelas redondezas e a sua casa, representam simultaneamente um plano de fuga e o valor daquilo que está perto. Este é “um trabalho mais conceptual, mais ligado às formas, ao acaso, mais ligado à sorte, por assim dizer”: do lado esquerdo está representado o que foi visto na rua e, do lado direito, aquilo “tinha em casa”.
O retrato da experiência de estar fechada em casa foi, inicialmente, como “ver a mesma fotografia durante uma semana” e procurar defeitos em cada detalhe, mas no fim abarca uma mensagem de esperança. É sobre “dar mais atenção ao que está perto” e “deixar de só querer o que está longe” – sobre encontrar o equilíbrio entre o desejo do desconhecido e o que já se conhece, encontrar “a familiaridade entre o que acontece para além da janela” e o que, outrora, passava despercebido no interior.
Texto editado por Ana Maria Henriques