Articulações eleitorais e a “neutralidade”: nem a extrema-direita, nem a pós-política
As novas demandas resultantes da atual crise social e política deflagram a corrida na tentativa de uma reorganização que não coloque em cheque as contrarreformas neoliberais.
A crise que marca o início desse novo século deflagra a urgência de uma reorganização dos poderes políticos em disputa. Tensões já começaram a ser demarcadas desde um ponto de vista nacional e prometem permanecer no centro do debate nas eleições autárquicas.
As novas demandas resultantes da atual crise social e política deflagram a corrida na tentativa de uma reorganização que não coloque em cheque as contrarreformas neoliberais. Neste sentido, o objetivo da burguesia portuguesa segue um projeto que se propõe a colocar em prática todos os seus interesses. Ainda que muitas vezes pareça incorporar demandas progressistas, na prática estão despidas de radicalidade e de qualquer transformação social efetiva.
O sintoma se encaixa perfeitamente num conceito conhecido como pós-política que faz referência a um tipo de despolitização que se desenvolve como uma forma de ideologia onde assuntos relacionados a status político e económico são minuciosamente gerenciados. Esse gerenciamento visa passar a ideia de que não há luta a ser feita, isso quer dizer que o debate a volta de disputas ideológicas é negligenciado. Em outras palavras, podemos dizer que a ação política se torna subordinada a uma imparcialidade atribuída a tecnocracia e aos especialistas esclarecidos. Teóricos como a socióloga brasileira Sabrina Fernandes e o filósofo esloveno Slavoj Žižek denunciam que esse discurso supostamente pós-ideológico é uma armadilha claramente ideológica fomentada com o objetivo de legitimar posições conservadoras do senso comum, mas também visões neoliberais de eficiência e governança de mercado com discurso de neutralidade.
Nesse interregno, sofismas e medidas paliativas penalizam os trabalhadores e desarticulam a discussão a volta da necessidade de uma transformação radical que atinja os verdadeiros donos no poder. Imposto progressivo, controle de fuga de capitais, aumento de imposto sobre herança e lucros – são algumas medidas que gerariam dividendos substanciais ao poder público, mas que interessam pouco, ou quase nada, às elites políticas locais. Enquanto isso, deixa-se de colocar em debate as transformações fundamentais da sociedade, da economia, da política para se pensar em micro soluções que não interfiram na lógica de mercado.
Com o intuito de deslegitimar a extrema-direita, sem fortalecer nenhum tipo de política pública verdadeiramente de esquerda, vários políticos liberais, e outros até com postura reacionária, dizem que são contra o machismo, o racismo, defendem a ciência, mas sempre dentro de um quadro que não propicie nenhum tipo de solução estrutural para os problemas. Dentro do social-liberalismo defendem a democracia burguesa, o estado burguês, ainda que assimilem elementos simbólicos e de linguagem utilizados no campo de esquerda, como a ideia de que é necessário garantir direitos sociais ou combater as opressões… Contudo, aqueles que negam que estejam defendendo um campo político colocam essas posições como se fossem mera razão, bom senso. Nessa esteira, falseia-se o debate político encarando-o como não ideológico, negando a própria essência da política que é o conflito e a disputa de interesses antagónicos, ou divergentes.
Essa estratégia faz com que nos esquivemos do debate a volta dos interesses objetivos que estão sendo atendidos nas mais diversas frações do capital. Em vez de se encarar o avanço da extrema-direita como uma representação da própria ofensiva burguesa e da crise capitalista, o fenómeno é tratado como uma mera irracionalidade fruto de um radicalismo. Do outro lado da mesma moeda é colocado um suposto radicalismo de esquerda que é igualmente problemático e que também precisa ser combatido em nome da razão, da democracia. No centro deste discurso está o campo social-liberal que está preparando para o terreno pessoas com um perfil específico que só visa enfraquecer qualquer proposta que gere adesão das massas. Como se existisse uma política não-política, uma técnica e uma ciência pura apartadas da política, uma racionalidade fora da política. Como defende o teórico mexicano Jaime Osório no livro O Estado no Centro da Mundialização; a Sociedade Civil e o Tema do Poder: “nada está fora da luta de classes, pois se ela não explica tudo, ela estrutura o todo.”