Malária: um exemplo de sucesso da investigação científica portuguesa
Se Portugal, país onde o financiamento em ciência continua muito longe do anunciado objetivo dos 3% do PIB, tem investigação científica de topo na área da malária, até onde se poderia chegar com um investimento adequado e sustentado na ciência portuguesa?
O dia 25 de Abril é não só o Dia da Liberdade em Portugal, mas também o Dia Internacional da Malária, em todo o mundo. Este dia foi instituído pelos Estados-membros da Organização Mundial da Saúde, durante a Assembleia-Geral de 2007, com o intuito de chamar a atenção para a necessidade de um investimento continuado e de um compromisso político sustentado com vista à prevenção e controlo desta doença. Em 2021, o mote assenta no Movimento “Zero Malária Começa Comigo” e é subordinado ao tema “Traçar uma Linha Contra a Malária”. O desafio proposto é o de exigir aos líderes e decisores políticos que renovem o seu compromisso de eliminar a malária no espaço de tempo de uma geração. E existem muito boas razões para pugnar por estes desígnios, já que a malária continua a constituir uma das mais sérias ameaças à saúde pública de uma grande parte do globo, sendo responsável pela morte de centenas de milhares de crianças todos os anos, em algumas das regiões mais desfavorecidas do planeta.
A luta contra a malária requer um esforço continuado por parte da comunidade científica, no sentido de compreender o parasita causador desta doença – o Plasmodium – e identificar formas adequadas para o combater. E é extraordinário constatar como Portugal, país de recursos científicos limitados, tem tido um papel internacionalmente tão relevante na investigação de topo neste domínio. São diversos os laboratórios portugueses que têm dado contributos essenciais para o avanço do conhecimento acerca da transmissão do parasita da malária, da forma como este interage com o organismo humano, da patologia que causa, e do desenvolvimento de estratégias eficazes para o seu tratamento e prevenção. Na verdade, ao longo da última década, Portugal é não só o país europeu em que a percentagem de artigos publicados no âmbito da malária relativamente à produção científica global nacional foi maior, mas é também aquele que apresentou o maior número de publicações científicas neste domínio relativamente ao investimento feito em ciência por cada país.
Esta constatação convoca-nos para a procura de explicações para o extraordinário desempenho da investigação nacional no domínio da malária. Na minha opinião, as respostas podem ser encontradas em três eixos fundamentais.
Em primeiro lugar, saliento o facto de a malária ter sido autóctone em Portugal até à segunda metade do século XX, o que levou à criação de estruturas dedicadas ao estudo e combate desta doença. Entre estas, destacam-se a Escola Nacional de Saúde Pública, criada em 1902, até à Estação Experimental de Combate ao Sezonismo, criada em 1931, instituições que ainda hoje perduram, ainda que com outras designações.
Não menos importante é a estreita ligação de Portugal com países africanos endémicos para a malária, não só em consequência de uma guerra colonial que se prolongou até inusitadamente tarde, mas também dos fortes laços que felizmente persistem com esses países. Esta proximidade significa que, ainda hoje, muitos de nós conhecem pessoas que vivenciaram a malária em primeira mão, trazendo a realidade desta doença para a esfera na nossa consciência coletiva.
Finalmente, não posso deixar de destacar um conjunto de médicos e cientistas absolutamente notáveis que deixaram uma marca indelével na investigação em malária em Portugal. É o caso de Ricardo Jorge, Francisco Cambournac e Fausto Landeiro, personagens proeminentes na pesquisa e combate à malária entre o final do século XIX e a primeira metade do século XX e, mais, recentemente, Virgílio do Rosário e Maria Mota, figuras profundamente inspiradoras para várias gerações de jovens cientistas.
Este conjunto de factos resulta num corolário indesmentível: é possível um pequeno país de recursos limitados ter uma posição de destaque na investigação de uma das doenças infeciosas mais prevalentes no mundo. Mas esta constatação conduz-nos inevitavelmente a uma pergunta de inquestionável pertinência: se Portugal, país onde o financiamento em ciência continua muito longe do anunciado objetivo dos 3% do PIB, tem investigação científica de topo na área da malária, até onde se poderia chegar com um investimento adequado e sustentado na ciência portuguesa? Neste Dia Internacional da Malária, que é também de Liberdade, é urgente não só refletir sobre as conquistas já realizadas, mas também perspetivar um futuro em que a investigação e o conhecimento sejam finalmente reconhecidos como os verdadeiros motores de desenvolvimento nacional.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico