Portugal, o navio e o nómada
Neste momento, diversas organizações estão a discutir as opções para alterar a localização das instalações produtivas.
Portugal está bem cotado em alguns dos indicadores que são relevantes no contexto das oportunidades que surgirão com o desenrolar da pandemia. Somos o terceiro país mais seguro do mundo, o décimo segundo mais inovador da União Europeia e estamos a meio da tabela em termos de custos laborais na mesma amostra de países. Por outro lado, os dados recentes do Fundo Monetário Internacional (FMI) mostram que Portugal está entre os que menos cresceram na zona euro desde a sua criação. As perspetivas, para o período que se inicia este ano e se estende até 2026, são, ligeiramente, mais animadoras, prevendo uma taxa de crescimento médio anual do produto interno bruto de 2,8%. Haverá forma de melhorar estas projeções de crescimento aproveitando as oportunidades que se avizinham?
Do navio encalhado ao empurrão na produção
Dia após dia a pandemia tem vindo a demonstrar a fragilidade e interdependência de diferentes cadeias de valor. O mundo pós-pandémico não deverá anular as vantagens da globalização, de que são exemplo os preços mais acessíveis para os consumidores alcançados com menores custos de produção. Contudo, as organizações serão conduzidas a balancear o foco na minimização dos custos com a diminuição das vulnerabilidades da cadeia de abastecimento. Por exemplo, empresas que só usavam fornecedores situados no sudoeste asiático terão incentivos adicionais para encontrar parceiros alternativos em geografias mais próximas dos clientes.
O atascar do Ever Given foi mais um empurrão nesta reorganização das cadeias de valor. O aproximar dos processos de produção e distribuição deverá resultar numa maior tenacidade das empresas para fazerem face a disrupções com diversas origens. Neste momento, diversas organizações estão a discutir as opções para alterar a localização das instalações produtivas. No contexto europeu, Portugal terá uma oportunidade para se destacar como um destino a considerar neste processo de planeamento das empresas multinacionais. Na decisão final serão determinantes fatores como a estabilidade política, os níveis de segurança, o custo de mão-de-obra, e o desenvolvimento tecnológico, que são favoráveis a Portugal.
Do nómada digital ao estrutural teletrabalho
Há uma segunda oportunidade em que Portugal poderá estar bem posicionado. Durante anos falámos dos nómadas digitais. Um termo exótico utilizado para viajantes perenes, aqueles que conseguiam trabalhar remotamente e passar os seus dias a explorar o mundo enquanto ganhavam o seu sustento. O mundo pós-pandémico trará uma normalização do teletrabalho. Com mais empresas a analisar e compreender o interesse deste modelo de trabalho, através de um ano de experiências e testes sobre a forma de como interagir com equipas à distância, emergirão certamente opções mais flexíveis no futuro das organizações.
Se cidades como Lisboa e a região da Madeira já eram destinos de interesse para os nómadas digitais, que procuravam, entre outras coisas, uma combinação de bom clima e acesso a lugares de coworking; temos à nossa frente uma oportunidade de reforçar a nossa proposta de valor para atrair uma nova vaga de trabalhadores que serão menos nómadas, mas mais exigentes. Essa exigência virá pela necessidade de se deslocarem com frequência aos escritórios das sedes das suas empresas na europa e pela vontade de estarem instalados em países com regimes fiscais competitivos e acesso a talento para reforçar as equipas de trabalho.
A aposta nas tecnologias que auxiliam os meios produtivos, nos nossos centros de conhecimento, e na simplificação do nosso regime fiscal serão algumas das ações necessárias para converter estas oportunidades em vetores de crescimento. Portugal e outros países com perfil similar estão bem posicionados para desafiar as estatísticas do FMI referidas anteriormente. O tempo urge.