Prevenir o Parkinson antes de qualquer tremor
No Dia Mundial da Doença de Parkinson, que se assinalou a 11 de Abril, devemos saber que os seus sintomas aparecem anos antes de qualquer tremor ou lentidão de movimentos. É fundamental estarmos atentos às mudanças no nosso corpo e não adiarmos as consultas.
Habituámo-nos a ver a doença de Parkinson num idoso curvado e trémulo, de marcha lenta e vacilante de pequenos passos. Esta é a imagem das manifestações motoras mais comuns da doença cujo diagnóstico salta à primeira vista. Quando tal acontece, a maior parte dos neurónios que produzem dopamina, a substância neurotransmissora que harmoniza o movimento, já morreram. Sabemos hoje que a doença começou há alguns anos antes, mas são os sinais motores e a sua resposta ao medicamento levodopa, que nos anos 50 revolucionou o tratamento, que constituem a pedra angular do diagnóstico.
Quando retrospectivamente se atentar nas queixas deste idoso podemos ver que, anos antes de qualquer tremor ou lentidão de movimentos, passou a sofrer de prisão de ventre, sem que se tenha encontrado qualquer explicação do foro gastroenterológico para isso. Passou a usar laxantes diariamente.
Uns tempos depois passou a queixar-se de perturbações do sono. As pernas durante a noite não paravam de mexer, estavam inquietas e sentia uma espécie de formigueiro que o obrigava a levantar-se e a interromper o sono para caminhar, o que o aliviava um pouco. O sono tornou-se agitado, esbracejando e perturbando o sono da mulher, que acordava por vezes ao ser atingida com um soco ou pontapé. Nesse sono alvoroçado, por vezes, caía da cama, falava alto, gritava. De manhã, ao acordar, estava mais cansado do que quando se deitara. Ao longo do dia ia dormitando. Foi experimentando vários medicamentos para acalmar durante o sono.
A qualidade de vida ia-se deteriorando e seu bom humor habitual modificou-se. Uma tristeza pouco a pouco foi-se instalando. Desinteressou-se pelas actividades habituais, pelos seus hobbies, pela leitura dos jornais e pelo convívio dos amigos. Isolou-se. Tornou-se uma pessoa diferente, pouco participativo, mais apático. A vida deixou de fazer sentido. Deprimiu.
Mais tarde percebeu que estava a perder o olfacto, deixando de reconhecer odores comuns, de artigos de higiene, perfumes, dos alimentos e refeições habituais.
Só uns anos depois esta sucessão de sintomas fez sentido e se esclareceu o diagnóstico, quando começou o tremor de uma mão. Um tremor característico, habitualmente ocorrendo em repouso. Mas o médico valorizou outros pequenos sinais. A expressão fisionómica do rosto estava um pouco estática, o pestanejo era raro. A marcha parecia um pouco rígida. Apesar da escassez de sinais motores nessa fase inicial da doença, o médico sentiu segurança no seu diagnóstico ao valorizar os sinais não motores que a precederam.
A obstipação é das queixas mais precoces da doença de Parkinson, reconhecendo-se hoje que a doença começa no intestino.
As perturbações do sono, insónia e parassónia, a síndrome das pernas inquietas, são muito comuns na doença de Parkinson, ocorrendo em cerca de 90% dos doentes. Causam muito sofrimento e afectam seriamente a sua vida social.
A perda do olfacto é muito frequente na doença de Parkinson, afectando cerca de 90% dos doentes e frequentemente precedendo por quatro a seis anos a dificuldade motora.
As perturbações psiquiátricas são frequentemente observadas nas fases mais precoces da doença de Parkinson, podendo também anteceder as manifestações motoras. Com o avanço da doença, outra sintomatologia poderá aparecer, designadamente as alucinações, perturbações da percepção da realidade, fruto da evolução natural da doença ou da medicação instituída. Em fases mais avançadas poderá ocorrer a demência, com características diferentes da doença de Alzheimer.
A doença de Parkinson é hoje entendida como uma doença sistémica e não apenas cerebral, que afecta a regulação de vários órgãos, designadamente dos aparelhos digestivo, urinário e cardiovascular, assim como várias outras funções para além das manifestações motoras por que é mais vulgarmente conhecida.
Os recentes avanços na compreensão do espectro da doença e das suas bases biológicas têm-se vindo a reflectir num diagnóstico mais precoce e preciso, bem como na instituição de tratamento farmacológico, cirúrgico ou de reabilitação, conseguindo assim proporcionar melhor qualidade de vida a estes doentes.
Por tudo isto, importa mantermo-nos atentos às mudanças de todos os nossos órgãos, não descurar as rotinas de saúde e privilegiar as consultas para discutir com o médico todas as alterações que vamos sentindo no corpo. Independentemente do contexto de pandemia, não devemos adiar consultas e exames, não devemos automedicar-nos, mas sim procurar uma justificação para as mudanças. Pela sua saúde, procure o seu médico.