Era previsível que o resultado da decisão instrutória sobre a Operação Marquês não fosse a contento de muitos. Afinal, as expectativas eram elevadas: pelo que li, o esforço da acusação traduziu-se em 3000 documentos em papel e 13.500 milhões de ficheiros informáticos recolhidos na fase de investigação. Mais de 200 buscas realizadas, outras tantas testemunhas ouvidas em sede de inquérito. A estas somaram-se, na fase de instrução, mais 133 horas de audiências, 500 contas bancárias rastreadas, uma acusação lavrada em mais de 5000 folhas, um ex-primeiro ministro arguido e mais 37 outros a quem foram imputados um total de 189 crimes económico-financeiros de falsificação de documentos, fraude fiscal, branqueamento de capitais e corrupção passiva.
Acresce que, no tempo longo que isto durou, desde a detenção de José Sócrates em 2014, até à última passada, foi divulgada, entre notícias e vídeos dos próprios interrogatórios, abundante informação sobre o processo. O que deveria estar em segredo de justiça tornou-se um segredo de polichinelo e da presunção de inocência, deixou de se fazer caso. Era impossível que não se formasse opinião contundente na praça pública ou juízo de culpa sobre qualquer dos arguidos, a começar por José Sócrates.
No fim, se vingar a decisão instrutória do juiz Ivo Rosa - e já sabemos que haverá recurso e que o Tribunal da Relação de Lisboa pode vir a decidir de forma diferente - à pronúncia de uma mão-cheia de arguidos e a menos do que duas dezenas de crimes, parece muito pouco. Pior parece que esse desfecho tenha sido ditado, não por ausência de culpa, mas por motivos formais, falta de provas e uma acusação desfeita nos seus erros com brutais machadadas.
Agora, que a Operação Marquês sirva para que se faça coro com a alma justiceira de alguns, os 150 mil que pedem em petição o afastamento de Ivo Rosa da magistratura, os que gostariam de encaixar na lei o que lá não cabe, ou mudá-la para garantir uma condenação à medida, não. E que os clamores de hoje, de políticos e aspirantes a governantes, para que tudo mude na justiça, não venham a servir, afinal, só para fins mais modestos e politiqueiros, ou a transformar-se em inércia deixando, como na máxima de Giuseppe Tomasi di Lampedusa, que tudo fique na mesma, ou pior.
Que a Operação Marquês sirva, sim, para que se aja sobre o funcionamento da justiça, da lentidão que não melhora, passando pelo segredo de justiça violado a torto e a direito, e que, a manter-se assim, trará sempre mais dano do que benefício para arguidos e testemunhas, até à afectação de recursos e meios mal calculados e muitas vezes desadequados ou insuficientes.
Que a Operação Marquês sirva, sim, para melhorar a prevenção da corrupção, que se continua a fazer em Portugal, como se noticia aqui, a passos muito curtos, e para que se criem e se implementem, de uma vez por todas, os mecanismos que permitam investigá-la e criminalizá-la.
Que a Operação Marquês sirva para perscrutar o que falhou, na Justiça e na Política, emendar e não deixar que se repita. É isto, e só isto, que, como cidadãos, devemos exigir com firmeza.