Hogwarts: um castelo contra a depressão

Harry Potter é sobre o bem e o mal, sobre a dicotomia clichê das duas faces da mesma moeda que somos.

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Marco Duarte

Não há segredos para os fãs de Harry Potter, ainda menos para os portugueses. Já todos sabemos que JK Rowling viveu no Porto — onde não passou pela Livraria Lello — e que abandonou a Invicta com um divórcio, uma filha e uma depressão. A angústia alimentou a coragem de que a escritora precisava para atravessar a plataforma 9 e ¾, render-se à escrita, fazer nascer Hogwarts: um castelo de luz para um órfão maltratado pelos tios. 

Avancemos para o quinto ano. A Ordem da Fénix ressuscitou e Harry, Ron e Hermione têm um amigo novo: eu. Todas as manhãs, antes do trabalho, e todas as noites, mergulho nas 750 páginas da edição da Editorial Presença. Saboreio-a devagar, seguindo os três Gryffindor por entre as vírgulas e erros de impressão de uma obra que já sei de cor. É a 10.ª vez que a leio.

Descobri-a aos 11 anos, numa das minhas deambulações pela biblioteca da escola. De braço partido, os recreios eram passados em exercícios de adoração das estantes de banda desenhada, onde por engano fora colocada. A lombada azul nebulosa surgia entalada entre o Lucky Luke e o Astérix. Tenho memória de abrir o livro, não me recordo de o fechar.

O romance permaneceu e permanecerá um forte contra as amarguras da vida. Procuro-o quando preciso da companhia de Harry, Ron e Hermione. Sem pudor, infiltrei-me no trio. Sou o D’Artagnan destes três mosqueteiros, soldado no Exército de Dumbledore e de armas em riste vou combatendo o meu maior inimigo: Dementors.

Numa entrevista de 2010 a Oprah Winfrey, JK Rowling explicou que os Dementors personificam a depressão e a “ausência de esperança”. Compreendo. Desde o início do ano que vivo refém dos guardas de Azkaban, enjaulado no fundo de um abismo de que não parece ser possível escapar.

Mas a fuga existe. No terceiro tomo da saga (e peço que me perdoem o anacronismo), Albus Dumbledore observa que a escuridão pode ser combatida se nos lembrarmos de acender a luz. É o que tenho tentado fazer. O meu patronus, ainda incompleto, assume a forma de banhos de água fria, trabalho e desporto.

No entanto, estou fraco. Faltam as forças para me alçar para fora do buraco. Felizmente, não estou sozinho. A família e os amigos estendem as mãos e telefonam nesta hora de necessidade. A todos eles, um profundo obrigado.

Harry Potter é sobre o bem e o mal, sobre a dicotomia clichê das duas faces da mesma moeda que somos. Nas fases mais negras da minha doença como quando iniciei este texto sinto que não sou mais do que a soma dos meus defeitos e que estou preso num mundo sem livre arbítrio: na moeda ao ar da vida aterrei com a face errada voltada para cima. Agora que estou mais calmo, percebo que a solução é simples. Basta-me virar a moeda. Se isso não resultar, posso sempre voltar a ler a minha Ordem da Fénix.

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