Pôr o PS a funcionar!?
Carlos Moedas foi o secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro que disse não a Ricardo Salgado, e foi o coordenador do ajustamento que permitiu a Portugal uma saída limpa da troika que José Sócrates para cá chamou há exatamente 10 anos.
Decorre a comissão de inquérito à venda do Novo Banco e o Partido Socialista tem um objetivo muito claro: discutir tudo o que possa não estar relacionado com a venda do banco, com o acompanhamento da reestruturação do banco e às sucessivas transferências que foram feitas pelo Estado para cobrir prejuízos de vendas de suites de luxo, campos de golfe e resorts “a preços de desconto”.
O PS não quer discutir isso porque António Costa fez um negócio. Vendeu um banco e disse ao seu comprador que, durante oito anos, o Estado cobriria os seus prejuízos até um montante de 3890 milhões de euros. No anúncio dessa venda, em 2017, António Costa mentia a si próprio e ao país, dizendo que “eventuais responsabilidades futuras não recairão sobre os contribuintes”.
792 milhões em 2018, 1149 milhões em 2019, 1037 milhões em 2020 e, pelas afirmações conhecidas do Governo, tudo se fará para que 2021 não seja exceção. António Costa achava mesmo que o Novo Banco, tendo a hipótese de utilizar aquele dinheiro, não o faria? Mário Centeno criou e cumpriu mecanismos para fiscalizar a ação da Lone Star? O Estado garantiu — na negociação, na venda, e após a venda — o interesse público? Tudo aponta para que não: primeiro convenceu-se e quis-nos convencer de que não haveria custos para os contribuintes, durante anos assiste quieto (ou fecha os olhos) a vendas que parecem a desbarato dos imóveis do NB, ao mesmo tempo que, anos após anos, mantém as transferências para cobrir os seus prejuízos resultantes dessas vendas. Quando foi confrontado, António Costa pediu à PGR que investigasse as acusações de Rui Rio. A reação rápida do Ministério Público (sem uma investigação, portanto) foi: não existem indícios de que essas vendas nessas condições tenham sido ilegais. Esquece-se porém que a inexistência de indícios criminais conhecidos no momento nada diz sobre se o interesse público foi ou não acautelado, e muito menos sobre a correção de serem os contribuintes a suportar os prejuízos...
Esta comissão parlamentar de inquérito servia esse propósito de avaliar o que até hoje tem sido pago pelos portugueses. Mas nada há que se possa fazer se houver quem queira “pôr o PS a funcionar”. Ora “a funcionar” para atirar a discussão para a resolução do Banco Espírito Santo, em vez de a atirar para as responsabilidades do primeiro Governo Costa e do seu Ministro das Finanças que se tornou Governador do Banco de Portugal. Ora “a funcionar” para Fernando Medina tentar desviar Carlos Moedas da sua campanha. Enfim: tudo vale para que não se siga pelo caminho que falta trilhar. Se não, saiba-se que o PS entregou uma lista de 65 nomes para audição nesta comissão de inquérito no final do ano passado, mas não fazia parte dessa lista Carlos Moedas, que só surge na memória do Partido Socialista depois da apresentação da sua candidatura à Câmara Municipal de Lisboa.
Que existem mesmo pessoas neste país que colocam outras “a funcionar” é uma realidade de que todos nos vamos apercebendo. Que os deputados se ponham a funcionar por governantes ou presidentes de câmara já nos causa mais perplexidade.
Houve, contudo, uma coisa que não funcionou: não ponderaram devidamente que quando se dá a palavra a uma pessoa séria, ela pode acabar por dizer coisas a sério. Carlos Moedas esteve na terça-feira no Parlamento, mas ao contrário do que o PS poderia pretender, lembrou duas coisas essenciais: foi o secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro que disse não a Ricardo Salgado, e foi o coordenador do ajustamento que permitiu a Portugal uma saída limpa da troika que José Sócrates para cá chamou há exatamente 10 anos.