Tempos de fanatismo e planos de resiliência – lições para o futuro

Só em conjunto conseguiremos enfrentar o difícil futuro que se avizinha no período pós-pandémico.

Amos Oz, num dos seus ensaios, inserido na publicação Caros Fanáticos, cita a definição de fanático dada por Winston Churchill: “Um fanático é uma pessoa que nunca muda de opinião nem deixa mudar de assunto.” O fanatismo não tem cor política, cultural ou até científica. O que identifica e move os fanáticos é uma obsessão de “salvar”, por todos os meios possíveis, a parte da humanidade que, por nunca ter ouvido falar deles, felizmente, os ignora. A pandemia que estamos a enfrentar promoveu um verdadeiro exército de fanáticos que pululam nos meios de comunicação social e na sociedade. Os argumentos que utilizam são apresentados de uma forma coerente e bem fundamentada, para não serem questionados. Trata-se de impor um discurso que se resume na imperativa e sempre urgente obrigação de alertar a humanidade para a descoberta de factos novos que nos vão destruir, caso não seguirmos o que nos recomendam. Tudo isto, nos tempos de incerteza que vivemos, dificulta, e até impossibilita, verificações a posteriori. Quem é que no dia seguinte vai verificar, ou tem tempo para verificar, o que o último fanático afirmou na véspera? O fanatismo não tem horizonte nem futuro porque não constrói nada, apenas impõe “verdades” inquestionáveis e nunca recomenda soluções ponderadas, antes promove atitudes radicais.

Na fase atual, o problema mais grave do fanatismo não é promover essa aceitação cega, mas sim impedir o pensamento crítico e a capacidade de construção de soluções para ultrapassarmos, em conjunto, esta terrível crise em que nos encontramos.

Recentemente, Yuval Harari publicou, no Financial Times, um artigo no qual identifica as três principais lições a retirar deste ano de pandemia, em comparação com outras anteriores, como a “Gripe Espanhola”, de 1918. A primeira é a importância das infraestruturas digitais atualmente existentes, mesmo tendo em conta as disparidades entre países e continentes. A segunda é a fragilidade dos sistemas de saúde pública que, até aqui, foram sempre, em todo o mundo, os parentes pobres do financiamento dos cuidados de saúde. A terceira, que será vital para a sobrevivência da humanidade, é a criação de um sistema global de vigilância capaz de monitorizar e prevenir pandemias.

A palavra resiliência que foi colocada no Plano Europeu aponta no sentido de sermos capazes de absorver um choque grave, como está a ser esta pandemia, e de voltarmos ao estado pré-pandémico. Esse é o grande desafio para a União Europeia nas próximas décadas. Mas será que vai ao encontro da resolução dos problemas identificados nas três lições de Harari? Em parte, porque a pandemia expôs essas fragilidades de uma forma gritante e há que resolvê-las o mais rapidamente possível. Mas, se nos ficarmos por aí, perderemos a única oportunidade de passarmos, não para “um novo normal”, mas sim para “um normal que seja verdadeiramente novo”.

Yuval Harari termina o seu artigo dizendo que, se não conseguirmos, será um falhanço da humanidade e, mais precisamente, da política. Para isso precisamos de uma política nacional, cimentada na nossa raiz europeia, que combata os fanatismos através a viabilização de ações concretas, como as que constam do Plano Nacional de Reestruturação e Resiliência que, antes de serem aplicadas, devem ser avaliadas e escrutinadas por todos os sectores da sociedade civil. Só em conjunto conseguiremos enfrentar o difícil futuro que se avizinha no período pós-pandémico.

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