Porque não há árbitros negros no futebol português?
Seguramente existirão boas razões que justificam que a arbitragem seja uma exceção (má) no cenário (bom) de diversidade do futebol português. Mas hoje, em pleno ano de 2021, os decisores do futebol têm a obrigação de refletir sobre o assunto.
O Futebol Clube do Porto foi o único clube que decidiu não aderir à recente iniciativa de substituir os nomes dos jogadores nas costas das camisolas pela frase “Racismo Não”. Percebeu-se que a recusa existiu, não porque o clube minimize a luta contra o flagelo, mas antes por entender que estas iniciativas servem para ocultar a incapacidade de fazer uma real política de combate à discriminação, como atesta a falta de medidas concretas em resposta ao ‘caso’ Marega. Este caso, e a relativa impunidade de quem o provocou, veio demonstrar o quanto existe por fazer no combate ao racismo no futebol, não sendo seguramente uma frase em camisolas a medida mais importante.
Por exemplo, no Reino Unido, berço da modalidade, observamos a acesa discussão sobre a diversidade étnica em todos os sectores do desporto-rei. Um dos temas difíceis e que tem gerado discussão é o da existência de poucos treinadores que não sejam de raça branca. O mesmo sucede com os árbitros. Na Premier League, árbitro profissional representante das minorias só existiu o famoso “Uriah Rennie”. E as vozes bem recentes reclamam que, em 72 árbitros para a época corrente, os “BAME” (Black, Asians and Minority Ethnic) não estão minimamente representados, o que constitui uma fonte de embaraço para o futebol inglês.
Em Portugal este debate é simplesmente inexistente. Mesmo com um esforço de memória não conseguimos recordar um único árbitro português de primeira categoria cuja cor da pele se diferencie. E isto diz muito – senão tudo – sobre a preocupação dos dirigentes federativos e da arbitragem nacional sobre o tema do racismo. Um facto tão ou mais gritante quanto a visível multiplicidade étnica da nossa seleção, dos jogadores portugueses de referência, dos ídolos futebolísticos dos últimos 70 anos, dos plantéis dos nossos clubes, dos dirigentes e até das massas adeptas.
Perante este silêncio é relevante interrogarmo-nos se a APAF está ou não preocupada com a falta de diversidade dos seus membros, ou se existe apenas para o protecionismo de natureza corporativa da sua classe, próprio de quem tem dificuldade em conviver com a crítica, o que provavelmente contribui para a evidente falta de qualidade da arbitragem nacional, revelada na parca presença na Liga dos Campeões. Pior que o silêncio da APAF, só mesmo a inação dos dirigentes federativos e do secretário de Estado do Desporto, tão preocupados em resolver a problemática dos direitos televisivos para 2028, mas inconsequentes na promoção de uma política de efetivo combate ao racismo no futebol.
Seguramente existirão boas razões que justificam que a arbitragem seja uma exceção (má) no cenário (bom) de diversidade do futebol português. Mas hoje, em pleno ano de 2021, julgamos que os decisores do futebol – começando pelos representantes associativos da arbitragem – têm a obrigação de refletir sobre o assunto e, antes de instigarem a vestir a camisola com aquela frase nas costas, devem verificar se se tem feito tudo para que, em Portugal, a carreira de árbitro seja assegurada por regras e condições de acesso que colocam em pé de igualdade todos os cidadãos, qualquer que seja a sua cor ou preferência clubista.
E porque infelizmente continuamos a ter, neste domínio, uma presença monocromática, e isso não pode continuar, continuaremos a perguntar: porque não há árbitros negros no futebol português?
Miguel Brás da Cunha, Advogado
Avelino Oliveira, Arquitecto
Luís Folhadela Rebelo, Consultor
Os autores escrevem segundo o novo acordo ortográfico