Achas que já não sabes socializar? Sabe como combater a ansiedade social
Depois de uma eternidade de tempo fechados em casa, incontáveis videochamadas, mil maratonas de séries e filmes, a vida “normal” – ou quase – voltou a bater-nos à porta. Sentes que já não sabes socializar, seja na escola ou no trabalho? E ficas com um nervoso miudinho do que aí vem? Aqui estão algumas dicas para te sentires novamente à vontade.
Ainda que muitos respirem de alívio por finalmente poderem sair de casa, há quem se tenha refugiado no conforto da distância social. Agora, a ideia de voltar a sair e viver uma rotina que era “o normal” pode parecer assustadora e fazer com que receies já não saber socializar. Sofia Ramalho, vice-presidente da Ordem dos Psicólogos, explica as razões que conduzem à ansiedade social e dá algumas dicas para te voltares a sentir à vontade.
A ansiedade que podes estar a sentir é circunstancial
A privação social a que estivemos sujeitos desde o último ano faz com que, muitas vezes, somente pensar em voltar à rotina pré-pandemia seja um gatilho para a ansiedade. Quando não fazemos algo durante muito tempo, é normal sentirmos estranheza ao voltar a fazê-lo.
Podemos abraçar os amigos quando os voltarmos a ver? Será a nossa interacção presencial suficientemente boa? Este nervosismo é normal e denuncia um sentimento, bastante transversal nos dias que correm, de ansiedade social, que deve ser, antes de tudo, relativizado.
Diferencia-se, assim, “da perspectiva clínica” da ansiedade — esta é uma “ansiedade que se está a sentir face a situações sociais”. De acordo com Sofia Ramalho, vice-presidente da Ordem dos Psicólogos, “depois de todo este tempo de confinamento, chegar ao contexto presencial” pode desencadear ansiedade no sentido mais normativo, “enquanto resposta a uma situação que traz algum medo e incerteza.”
“Eu sou capaz”: a confiança vem gradualmente
“As estratégias aqui”, de acordo com a vice-presidente da Ordem dos Psicólogos, “não podem ser só intrapessoais, têm que ser vistas como estratégias colectivas”, até mesmo “mais ao nível da própria organização escolar e família”, comunidade laboral e amigos. Isto porque a ansiedade e o medo que se se sentem com as questões de socialização são transversais. Assim, o regresso à rotina deve ser feito gradualmente, assim como a conquista da confiança de estar com outras pessoas, abalada durante o confinamento.
O mantra “Eu sou capaz” não é um cliché em contexto de ansiedade social e deve ser repetido, até pelas crianças em idade escolar. “Agora, precisamos de ter escolas preparadas para dar uma resposta baseada nos modelos de intervenção e educação socioemocional”, diz Sofia Ramalho, apelando a que as escolas não ignoram possíveis apelos de ajuda. “Vai aumentar o autoconhecimento, a capacidade de a criança ou jovem se revelar a si próprio emocionalmente e, ainda, aumentar a consciência social.”
Tenta não evitar situações sociais
É natural, diz a responsável, que “a passagem do online para as situação presenciais fique mais difícil”, até porque “implicam mais exposição”, por haver um maior confronto com a intimidade” e colocam “mais exigências”.
É certo que há circunstâncias sociais que não podem ser evitadas, como ir à escola, trabalhar ou cumprir a rotina do dia-a-dia pré-pandemia. Mas, no que concerne actividades de lazer ou convites para situações presenciais de socialização, mesmo que ficar em casa e evitar contactos sociais possa parecer a opção mais confortável, tenta não o fazer, se te sentires capaz e se o puderes fazer com segurança.
Evitar algo que desencadeia a ansiedade pode ser uma forma de a encubar, o que mais tarde se pode reflectir em consequências negativas como perda de amizades ou oportunidades. Mas, claro, sempre com as devidas medidas de prevenção: encontros ao ar livre, com distanciamento social, sem esquecer a máscara e higienização frequente das mãos.
De acordo com Sofia Ramalho, evitar a vida social e “procurar isolar-se para poder recriar o isolamento que possa ter vivido em casa são sinais de alarme maiores”. Sempre que o momento surgir, e te sentires capaz, tenta sair da tua zona de conforto.
Pára de te olhar ao microscópio
Sofia Ramalho refere que a ansiedade social, neste contexto, nasce, muitas vezes, da sensação de que vamos “estar numa situação de avaliação do desempenho”, podendo tratar-se do nosso desempenho académico ou relativamente “à relação com os pares, de como é que nos vamos comportar com os outros”.
Este excesso de pressão que impomos a nós próprios e que gera ansiedade é compreensível. Com o confinamento é natural termos ganho uma “capa protectora” relativamente ao mundo exterior, e agora parece difícil desprendermo-nos dela. Mas a vida social não é um bicho-de-sete-cabeças, é apenas “estar com alguém” – e, assim que confrontarmos o medo, é fácil de perceber que tínhamos saudades de estar com outras pessoas, sejam eles familiares, amigos ou colegas de escola ou trabalho.
Regressa à rotina
Na generalidade, todos querem regressar à rotina que tinham antes do confinamento. No entanto, como Sofia Ramalho explica, “é possível que entre o desejo de voltar e o medo do incerto e preocupações” acerca da relação com os outros surjam “sentimentos ambivalentes”.
Há uma “vontade e motivação” para voltar à vida normal, ainda que tal crie algum receio. Mas é importante manter a consciência dos benefícios que o regresso a alguma normalidade traz ao desempenho psicológico e social de cada um - mais uma vez, é importante aprender a lidar com esta “nova transição.”
Para os mais novos, “a recuperação socioemocional é fundamental”, diz a vice-presidente da Ordem dos Psicólogos. “Daí que a presença de serviços de psicologia a trabalhar de forma integrada com professores e com a própria administração das escolas para promover programas específicos pensados para os alunos, especificamente para aquele contexto, é essencial.”
Procura ajuda
Não hesites em procurar ajuda. Ainda que a ansiedade não seja uma novidade, o tipo de ansiedade social que hoje enfrentamos é diferente. Não baixes a guarda e concentra-te sempre no teu bem-estar. Aos poucos, socializar vai tornar-se cada vez mais fácil e a tua vida cada vez mais “normal.”
“Do ponto de vista da intervenção psicológica, não é preciso que haja uma perturbação para se procurar o psicólogo, e isto é muito importante que se perceba. O psicólogo tem um papel importante na promoção do desenvolvimento socioemocional e na prevenção”, anota Sofia Ramalho. “É muito mais produtivo que haja um trabalho a nível promotor e preventivo”, daí que, por um lado, quem sinta que não está a “lidar bem com uma determinada situação” se deva “sentir-se livre para procurar ajuda”.
Texto editado por Amanda Ribeiro