Papá para sempre

É importante ter presente que as crianças são a parte mais vulnerável da família e uma separação mal gerida pode pô-las numa situação de risco, comprometendo seriamente a sua estabilidade emocional.

Foto
"Pai e mãe ocupam o mesmo lugar na família, com as mesmas responsabilidades e com a mesma importância na vida das crianças" Nuno Ferreira Santos/Arquivo

Muitos pais encontram no filme Papá para Sempre, protagonizada pelo eterno Robin Williams, alguns traços de semelhança. Este filme retrata a história de Daniel Hillard, um pai dedicado que naturalmente cometeu alguns erros. Depois de uma festa de aniversário desastrosa organizada para o seu filho, a sua mulher, Miranda, pede-lhe o divórcio. Desde então, Daniel apenas pode ver os seus três filhos uma vez por semana, o que considera insuficiente. Quando Miranda põe um anúncio para contratar uma governanta para as crianças, as estrelas alinham-se para Daniel, que decide fazer-se passar por Mrs. Doubtfire, uma competente governanta que acaba por ser a figura maternal/paternal que Daniel não conseguiu ser inteiramente.

Há muitas separações ou divórcios que são verdadeiras “guerras” judiciais em que as crianças acabam por cair numa densa rede de emoções e são transportadas para o meio do “campo de batalha” provocado por aqueles que deveriam ser os primeiros a protegê-las. Fazem-no, muitas vezes, sem medir as consequências desse “combate” na saúde emocional dos filhos, que são, lamentavelmente, usados como arma de arremesso.

É importante ter presente que as crianças são a parte mais vulnerável da família e uma separação mal gerida pode pô-las numa situação de risco, comprometendo seriamente a sua estabilidade emocional, especialmente numa altura em que a separação dos pais pode comportar momentos de insegurança e de desconforto afectivo perante possíveis sentimentos de ameaça de abandono e de ruptura afectiva.

Por vezes, um deles – mais frequentemente o pai – é afastado da vida dos filhos, como se a separação do casal, que marca o fim da relação conjugal, determinasse também o fim da relação parental.

Não me refiro, evidentemente, aos progenitores violentos ou aos que não demonstram qualquer interesse e vontade em estar com os filhos. Também não me refiro àqueles que acham que uma mãe que fica em casa, trata das refeições, dos banhos e ajuda com os estudos cumpre a sua obrigação e o seu papel de mãe, ao passo que se um pai faz exactamente a mesma coisa é um superpai, um super-homem e, quem sabe, um super-herói.

A verdade é que, tal como as mães, também há excelentes pais que, cada vez mais, procuram dividir com as mães as tarefas domésticas, as atribuições, responsabilidades e tomadas de decisão em iguais condições. São já muitos os pais que procuram acompanhar o dia-a-dia dos filhos, os trabalhos escolares, os momentos de deitar, de levar e ir buscar à escola e participam activamente nas actividades lúdicas da criança com a consciência de que os laços afectivos se constroem no dia-a-dia.

Arrisco dizer que, nos dias de hoje, assistimos a uma mudança do papel do pai na sociedade e ao emergir de uma paternidade cuidadora.

A entrada das mulheres no mercado de trabalho, a diminuição do número de filhos, o maior investimento nos filhos e as novas tipologias de famílias resultantes do aumento do número de divórcios contribuíram para esta mudança, ao alterar de forma relevante as relações e interacções familiares. Destaca-se ainda a crescente importância do papel da criança no seio da comunidade familiar, num quadro de abertura à cultura da criança, a quem se reconhece um estatuto de cidadania social.

O modelo de família patriarcal de outrora, em que a função do pai era essencialmente vista como geradora de património, mais do que protectora das crianças que compunham o núcleo familiar, dá então lugar a uma nova realidade em que o pai se assume, cada vez mais, participativo e envolvido no quotidiano, no crescimento e nos cuidados a prestar às crianças.

As mudanças sociais vêm imprimindo um novo conteúdo no conceito de paternidade com cada vez mais pais a reclamarem uma participação mais activa na vida dos filhos, constatando-se a sua presença focada em dimensões relativas aos cuidados, ao apoio emocional e à estimulação das crianças, tarefas nas quais o pai tradicionalmente não se envolvia.

A legislação tem vindo a acompanhar estas mudanças, conferindo ao pai direitos cada vez mais equiparados aos das mães, nomeadamente na atribuição de subsídios de parentalidade e de licença por nascimento do filho indiferenciadamente.

Isto sucede porque, na verdade, pai e mãe ocupam o mesmo lugar na família, com as mesmas responsabilidades e com a mesma importância na vida das crianças.

Cientes de que não há hierarquia de papéis, é então necessário dar espaço a pai e mãe para exercerem as suas funções parentais somando esforços para a satisfação das necessidades dos filhos.

Um pai tem competência, a priori, para fazer exactamente as mesmas coisas que a mãe. As mães não são mais responsáveis pelos filhos, não são sempre e necessariamente melhores cuidadoras ou educadoras e, com excepção do momento da gravidez, parto e amamentação, as mães não são mais do que os pais. A naturalização da competência feminina para o papel de cuidadora não faz sentido nos dias de hoje. O pai também pode ser uma peça central nos cuidados da criança nos aspectos de assistência material, educacional ou afectiva, sem que seja necessário fazer-se passar por Mrs. Doubtfire para o demonstrar.

Sugerir correcção
Ler 1 comentários