O Grego
Vasoukafis era um jornalista reformado que se tornou num homicida violento. Tudo quando a sua saúde, já débil, a paz e a tranquilidade em que vivia foram varridas por contínuas tempestades de ocupantes de um Alojamento Local vizinho.
Não é uma estória. São factos algo amenizados. Sem toda a sua crueza.
Há anos, a revista Le Nouvel Observateur narrava um evento dramático. Vasoukafis era um jornalista reformado. E só. Vivia em Atenas, num módico apartamento de um prédio igualmente módico. O único amigo, também jornalista, vivia no apartamento do lado.
Partira na viagem sem regresso que é o destino dos Homens. Vasoukafis ficou ainda mais só no vazio e hostilidade do mundo. Alombando com o peso dos seus 57 anos. Coisas da troika!
O apartamento que fora do único amigo foi arrendado. Outra vez arrendado. Virou Alojamento Local (AL). Hoje uns, amanhã outros, depois outros. Sucessivamente.
A saúde já débil, paz, a tranquilidade e mesmo a segurança de Vasoukafis foram varridas pelas contínuas tempestades dos ocupantes do AL. Que lhe roubaram o silêncio amargo da solidão.
Requerimentos, telefonemas, mensagens e e-mails ignorados pelos detentores do poder. Gerou um abaixo-assinado na Net que milhares subscreveram. Pelo silêncio, pela omissão, por promessas incumpridas.
Os poderes públicos promovem o turismo. Desprezam os seus cidadãos que definham dia a dia com impostos e taxas sem fim. Licenciam AL's nos prédios dos outros. Sem critério.
Mendigou Justiça, ajuda à polícia, à câmara municipal. A seu ver, a tudo quanto pensava poder para o ajudar. Afinal, pensava, andei tantos anos a defender um direito universal, o direito à habitação, e ora vivo num buraco em que abafo com ruídos alarves que a toda a hora me invadem o cérebro!
O nosso Grego desesperava. O ruído , as festanças, o cheiro nauseabundo a estupefacientes, os berros do AL, não lhe permitiam ver e ouvir nem sequer o único contacto que tinha com o mundo que fora o seu: a televisão. Ao menos o Telejornal!
A vida ia célere e amarga. O AL driblava o fisco. Engordava de rendimentos cobrados aos hóspedes barulhentos, inquietos e desrespeitosos. Vasoukafis envelhecia, o calendário não parava. O tempo corria imperceptível e lento. Suplicou dos hóspedes, quase de joelhos, piedade para a sua condição de cidadão de cinquenta e sete anos.
Nada.
Na cabeça do Grego, germinou a ânsia de justiça. A justiça dele, Vasoukafis. Em manhã cinzenta e triste de Atenas, o Grego tomou o comboio. Foi parar à quinta de um velho familiar. Ia pela caçadeira. Para atirar em ratazanas lá em casa! Regressou já noite. Decidiu que não suportaria mais aquele tormento. O barulho era infernal. Os gritos estridentes. A música em tais decibéis que nem parecia música. As batidas estremeciam o seu módico apartamento.
Vasoukafis estava esgotado. Deprimido física e mentalmente. Perdera-se e nunca mais se encontrara. “Afinal sou cidadão!”, pensava. De madrugada, bateu à porta do lado e despejou a cartucheira no primeiro hóspede que lhe surgiu.
A revista sentencia que agora o Grego vê tranquilamente o Telejornal na penitenciária de Atenas. Também diz que a pena é justa, pois a vida do hóspede é um valor superior ao sossego do Grego.
Vai acrescentando da sua lavra que responsáveis são igualmente a polícia, a câmara municipal, a administração do condomínio. Não como autores do homicídio. Mas porque não fizeram nada do que podiam para o evitar (“conditio sine qua non”).
Isso diz a revista.
Não o Grego. Pois que havia leis, regulamentos, editais que obrigavam os hóspedes a comportamentos próprios de vizinhos. Tudo sistematicamente incumprido. Maltratado.
Para ele, Vasoukafis só houve o Código Penal. Diz o Grego!