Uma UE de liberdade LGBTIQ+ e um Portugal parado no tempo
A atualidade política em Portugal torna incerta a vivência da comunidade LGBTIQ+. É importante que Portugal não siga os passos de países totalitários e mantenha a sua lei de acordo com os ideais europeus.
Esta foi uma semana de vitória para a comunidade LGBTIQ+ Europeia. O Parlamento Europeu (PE) finalmente decidiu encarar de frente os ataques à comunidade LGBTQI+ de alguns países europeus, e propor uma posição firme da UE.
Dois anos depois da primeira cidade polaca se ter declarado “LGBT-Free Zone” (Zona Livre de LGBT), o PE tomou uma posição e declarou a UE como uma “LGBT Freedom Zone” (Zona de Liberdade LGBTIQ+). Este é um voto de confiança à comunidade LGBTIQ+ e um sinal de apoio ao mais alto nível das instituições europeias para com os seus cidadãos e a proteção dos seus direitos. É também um aviso, bem direto, a países como a Polónia e a Hungria, que de forma consistente têm vindo a retirar direitos aos seus próprios cidadãos. Na Polónia com as cidades “livres de LGBT” e a prisão de ativistas, e na Hungria com leis transfóbicas a serem aprovadas.
Em Portugal, graças ao ativismo e a políticas humanitárias, não temos de forma tão óbvia os obstáculos à vivência das pessoas LGBT, que se vivem noutros países europeus. Portugal foi sétimo no último Rainbow Map, um observatório da ILGA sobre o respeito de direitos humanos, significando que o nosso país tem já presente na sua lei a proteção de alguns direitos como a autodeterminação de género e o casamento e adoção por pessoas do mesmo género.
Mas seremos pessoas cegas se acharmos que o nosso país é já um local seguro para esta população. Foram precisas décadas de debate para que os primeiros direitos chegassem à comunidade LGBT, e apenas há 10 anos o começámos a ver no nosso país. Por outro lado, apesar de vermos nas leis já alguns direitos concedidos, todos os dias assistimos a situações de preconceito por parte de funcionários públicos, forças de segurança, e as próprias forças políticas que muitas vezes apelidam estes direitos humanos de “ideologias”. Este é o Portugal em que vivemos: competente na lei, parado no tempo.
Um dos mais evidentes obstáculos existentes no país são as (ainda legais) terapias de conversão.
As terapias de conversão são práticas pseudocientíficas que tentam mudar a orientação sexual das pessoas que não se identificam como heterossexuais, através de intervenções psicológicas, físicas ou espirituais. Estas são práticas já repudiadas pelas Nações Unidas, pela Associação Europeia da Psicoterapia e muitas mais associações médicas e governamentais. Aquilo já estudado sobre o tema indica que as terapias de conversão são não só ineficazes na “mudança de orientação sexual” que pretendem fazer, mas podem inclusivamente ser nefastas para as pessoas que por elas passam. Estas pretensas terapias dão origem a depressões, desejos suicidas e outros efeitos que acompanham as vítimas durante o resto das suas vidas.
Em Portugal, estas terapias são ainda feitas de forma legal, por organizações religiosas ou grupos de psicólogos, alguns já expostos. Não existindo ainda lei que proíba estas práticas, elas continuam a prejudicar portugueses todos os dias.
Esta atitude negligente por parte do governo português em não legislar pela proibição das terapias de conversão leva a uma inevitável relativização de uma prática altamente nociva para quem a elas são submetidas. Ao que se adiciona a negligência do Estado em não fiscalizar o andamento dos processos instaurados na Ordem dos Psicólogos para estas práticas. Num país que se diz livre para pessoas LGBTIQ+, esta negligência não devia ter lugar.
A atualidade política em Portugal torna incerta a vivência da comunidade LGBTIQ+. É importante que Portugal não siga os passos de países totalitários e mantenha a sua lei de acordo com os ideais europeus. É também importante deixarmos de estar parados no tempo, e continuarmos a sair à rua e a envergar com orgulho as bandeiras de direitos que todos devíamos ter.
Ficou esta semana mais do que clarificado que não cabem, em países europeus, sentimentos de homofobia, transfobia e discurso de ódio. Cabe agora a Portugal mover-se, deixar de estar parado, e defender com garra os direitos que afirma já ter na lei. Portugal também tem de ser uma verdadeira Zona de Liberdade LGBTIQ+.
A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico