Reforma da PAC e coesão territorial em tempos de urgência e de grandes transições

Recuperar, estabilizar e transformar o modelo de administração das políticas públicas será decisivo. Vejamos alguns aspetos do problema e da agenda a prosseguir no caso da política agro rural e da coesão territorial em Portugal.

Vivemos um tempo de desafios urgentes, desencadeado pela pandemia e a crise económica e social emergente, e também um tempo de grandes transições – climática, energética, ecológica, digital, demográfica e migratória, laboral e sociocultural.

Na União Europeia e em cada um dos seus Estados-membros, a dimensão dos meios financeiros e a diversidade das políticas que vamos gerir solidariamente na próxima década exercerão uma pressão gigantesca sobre os nossos governos e administrações públicas.

Uma das nossas fragilidades, de longa data, é o hiato entre o enunciado discursivo dos programas, objetivos e metas, por um lado, e a realização material, efetiva e eficiente das medidas de política, por outro.

O desafio é enorme, pois ao mesmo tempo que procuramos recuperar de uma crise profunda, é-nos exigido que descarbonizemos a economia, mudemos o padrão energético, façamos a transformação digital nas empresas, nos serviços e nos mercados de trabalho, enquanto acolhemos mais trabalhadores migrantes e lutamos por mais produção e competitividade e contra o envelhecimento da população e o abandono de territórios mais vulneráveis.

Recuperar, estabilizar e transformar o modelo de administração das políticas públicas será decisivo. Vejamos alguns aspetos do problema e da agenda a prosseguir no caso da política agro rural e da coesão territorial em Portugal.

I - O quadro atual de administração das políticas públicas

Nas políticas agro rural e de coesão e desenvolvimento territorial, o quadro atual de administração das políticas é o seguinte:

  1. Cinco ministérios (Agricultura, Ambiente, Coesão, Planeamento e Economia), cinco corporações, cinco administrações-silo e cinco conglomerados de interesses geridos de modo verticalizado e centralista: os efeitos externos negativos desta estrutura de governo, administrativa e de mediação Estado-Sociedade, são evidentes.
  2. Perante tantas estruturas administrativas, como conseguir o equilíbrio dinâmico entre a governação mais setorial e conservadora e as energias mais vinculadas à diversidade territorial e social do nosso país e ao seu potencial de inovação? Como mitigar os efeitos dispersivos e as falhas de cinco administrações verticais? Como fomentar a coerência e coordenação das suas intervenções?
  3. Na falta de um sistema descentralizado de administração, sem uma melhor comunicação e cooperação entre as estruturas desconcentradas dos cinco ministérios referidos, será impossível conceber e implementar verdadeiros Programas Operacionais Regionais, ou seja, estruturas de missão capacitadas, eficazes e dotadas de inteligência coletiva territorial.
  4. Neste quadro, o 2.º pilar da PAC é, apenas, a componente agro rural da política agrícola prevalecente no modelo AAA (agricultura, ambiente, alimentação); a outra componente do desenvolvimento rural pertence à política de coesão territorial prevalecente no modelo ICT (inteligência coletiva territorial). É da conjugação destas duas componentes que poderá resultar uma política de desenvolvimento rural que mereça esse nome.
  5.  Uma outra falha político-institucional grave respeita às relações, ou à falta delas, entre IES (instituições de ensino superior), AP (administrações públicas) e AEP (associações empresariais e profissionais) – um triângulo virtuoso indispensável para a criação de comunidades inteligentes e plataformas colaborativas que, em conjunto, formam a base mais inovadora do modelo (ICT).

II - Programa Operacional Regional (POR) –​ o quadro de coerência dos instrumentos de política

O programa operacional regional (POR) será o quadro apropriado de cooperação horizontal para integrar territorialmente os instrumentos de política dos cinco atuais ministérios acima referidos. A governação territorial da próxima década irá reclamar a articulação orgânica do modelo mais vertical (AAA) com o modelo ICT mais colaborativo e horizontal das comunidades inteligentes, atores-rede e territórios-rede.

Para o efeito, julgamos que há quatro condições prévias indispensáveis:

  • Criação de um eixo de desenvolvimento rural em todos os POR, com uma unidade de gestão segregada nas CCDR para o gerir;
  • Ancoragem das ações DLBC (desenvolvimento local de base comunitária) nos POR e subsidiariamente nos PDR (programa de desenvolvimento rural);
  • Financiamento plurifundos desse eixo;
  • Articulação orgânica entre as duas componentes do desenvolvimento rural (AAA e ICT).

No plano da administração das políticas sugerimos a seguinte metodologia:

  • Na fase de programação, uma audição aberta, participada e descentralizada sobre os objetivos, os instrumentos e a repartição de recursos capazes de responder às necessidades e potencial das regiões, dos diversos territórios que as compõem e dos agentes institucionais, económicos e sociais que lhes dão vida;
  • Na fase de implementação, as CCDR contratualizam com as CIM (comunidades intermunicipais) os programas de investimento intermunicipal e sub-regional; para o efeito, as CIM acordam com o movimento associativo de desenvolvimento local (ADL), as organizações de agricultores e outros agentes de desenvolvimento económico e social as ações coletivas que mais se justificam junto dos atores do universo rural, de acordo com o modelo ICT e identificadas na fase anterior;
  • As Direções Regionais de Agricultura (e o ICNF no caso dos investimentos florestais), tendo em atenção aquele enquadramento, mas também e em primeira linha os interesses dos parceiros envolvidos, contratualizam com as organizações empresariais e profissionais (AEP) e com as ADL as ações de cooperação e intervenção nas diferentes áreas do modelo AAA.

Notas Finais

O Programa Operacional Regional é o enquadramento apropriado para que a agenda de investimento e desenvolvimento territorial no horizonte 2030 não se transforme numa manta de retalhos de despesa pública e privada, sem coerência e consistência. Chamamos a atenção para três aspetos complementares.

No plano de ação da transição digital parece sensato conciliar os calendários de seis agendas de investimento: as infraestruturas digitais do território (1); o plano geral de literacia digital (2); a digitalização da administração pública (3); as cidades inteligentes e criativas (4); a digitalização do universo empresarial de PME (5); e a digitalização da sociedade e da economia colaborativas (6). O programa operacional regional é o quadro apropriado para enquadrar estes investimentos de importância vital para os espaços rurais mais periférico e vulneráveis. O movimento associativo de base local (ADL) pode dar aqui uma ajuda importante.

No plano geral da engenharia financeira de cada região, dada a variedade de instrumentos financeiros, será de ponderar a criação de uma agência regional de investimento para tirar o melhor partido dos instrumentos disponíveis: fundos europeus e nacionais (orçamentais e Fundo Ambiental), sociedades de capital de risco, fundos de investimento, empréstimos do novo Banco de Fomento e do Banco Europeu de Investimentos, banca de investimento, créditos da banca comercial, empréstimos garantidos pelo Estado, financiamento participativo, entre os mais importantes. Seria avisado dispor-se de uma visão operacional articulada desta engenharia financeira e do necessário aconselhamento técnico.

Finalmente, no plano do rejuvenescimento socioempresarial espera-se que as IES (instituições de ensino superior), as AEP (associações empresariais e profissionais e escolas profissionais agrícolas) e as AP (administrações públicas), ou seja, os incumbentes das políticas de desenvolvimento, se entendam sobre a sua própria modernização e o imperativo de renovação empresarial, para que esta década seja bem sucedida, no interesse de toda a comunidade.

Os autores escrevem segundo o novo acordo ortográfico

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