Plano de Reconstrução e Resiliência: o declínio inevitável?
Embora apresentado em linguagem moderna, o PRR é uma desilusão. Não se vê ali nada de disruptivo, um “golpe de asa”, que ajude à melhoria da competitividade do país.
Esteve até há poucos dias em consulta pública o PRR, Plano de Recuperação e Resiliência, isto é, a parte Portuguesa do Plano de Recuperação criado pela União Europeia com o objetivo de fazer face aos efeitos da pandemia da covid-19 na economia, a “bazuca”, na expressão pouco feliz de António Costa.
Muito elogiado pelo primeiro-ministro na altura da sua apresentação, no verão passado, o Plano de Recuperação da UE previa para Portugal cerca de 26 mil milhões de euros, dos quais cerca de metade a fundo perdido e a outra metade como empréstimo, embora a juros muito baixos.
Importa salientar que, além do PRR, Portugal vai também executar nos próximos anos o PNI2030, aprovado em novembro passado, no montante de 41 mil milhões de euros, com 14 mil milhões a cargo de privados e 15 mil milhões de fundos europeus, bem como os quase 11 mil milhões que ainda falta do PT2020.
Contudo, o PRR agora em discussão é uma surpresa. Assim, o montante global é reduzido para pouco mais de metade, 16,6 mil milhões de euros, no qual a parcela a fundo perdido, 13,9 mil milhões, é mantida, mas a parcela a título de empréstimo é brutalmente reduzida para 2,7 mil milhões, pouco mais de 20% do valor disponível.
O Governo não justifica a decisão de prescindir da maior parte da parcela a título de empréstimo, contudo, não é preciso grande esforço de adivinhação; António Costa receia os efeitos do aumento da Dívida Pública na credibilidade do país.
De facto, essa dívida, que há um ano atrás estava na casa dos 250 mil milhões de euros, ou seja, 117% do PIB, teve entretanto um agravamento brutal, de mais de 20 mil milhões de euros. Por outro lado, como o PIB em 2020 teve uma queda de 7,6%, a nossa Dívida Pública passou para 137% do PIB, o valor mais alto de sempre, superior ao do tempo da troika. Embora, com a política de compras de dívidas soberanas do BCE, as nossas taxas de juro não se tenham ressentido, continuando baixo de 1%, a UE já avisou que países com dívidas públicas elevadas (como Portugal) terão de ter atenção aos défices.
Embora o histórico de utilização dos fundos europeus em Portugal não seja muito abonatório, pois, tendo recebido da UE, nas duas últimas décadas, por ano, cerca de 2,5% do PIB, cresceu anualmente (em média) menos de 1%, o PRR será, talvez, a grande (e última) oportunidade para Portugal “dar a volta” ao seu destino.
Ora, para isso, precisa de ser muito criterioso na utilização desse dinheiro, o qual deveria ser canalizado, fundamentalmente, por um lado, para apoiar as empresas, particularmente do setor exportador e, por outro, realizar investimentos em projetos estruturantes para alavancar o crescimento da economia.
A situação é tanto mais crucial, porquanto a generalidade dos nossos parceiros da UE não terá qualquer problema em usar a totalidade dos fundos disponibilizados, pelo que terão condições privilegiadas para crescer nos próximos anos. Assim, se esta oportunidade não for bem aproveitada, será inevitável que Portugal se vá atrasar, em particular em relação aos países de leste, que entraram para a UE em 2004, quase 20 anos depois de Portugal e com um atraso considerável, mas que têm apresentado taxas de crescimento muito superiores às nossas.
Contudo, embora apresentado em linguagem moderna, como “resiliência”, “transição climática” e “transição digital”, o PRR é uma desilusão. De facto, o apoio às empresas é diminuto e quanto ao investimento público é uma espécie de suplemento do PNI2030, uma panóplia de pequenos projetos, como o reforço dos equipamentos dos hospitais e das escolas, e do material circulante das empresas de transportes (como a CP), ou a construção de linhas de metro em Lisboa e no Porto. Não se vê ali nada de disruptivo, um “golpe de asa”, que ajude à melhoria da competitividade do país.
Ora, a nível de infraestruturas, há um grande projeto que poderia catapultar o país para um salto em frente, que é a criação de uma rede ferroviária em bitola UIC (a usada na generalidade dos países da UE), de modo a ligar os principais centros em Portugal entre si e à Europa além-Pirenéus, para onde vai a maior parte das nossas exportações.
Aliás, a própria União Europeia está a fazer uma aposta forte na ferrovia, tendo criado os chamados corredores transeuropeus (TEN-T), em bitola UIC, e estando a financiar os respetivos projetos com montantes na casa dos 50 a 70%.
Em Portugal, a TEN-T é formada pelo chamado Corredor Atlântico, que é um “π” deitado, constituído por dois eixos horizontais, o eixo Aveiro/Pampilhosa-Vilar Formoso (com ligação a França em Irun/Hendaye) e o eixo Lisboa-Caia (com ligação a Madrid e também a França, em Irun/Hendaye); e um eixo vertical, o eixo Porto-Lisboa-Sines.
Embora reclamada por muitos, essa rede não é contudo do agrado de alguns, que beneficiam de manter o país isolado da Europa além-Pirenéus.
É facto que há uma década atrás, no tempo de José Sócrates, houve uma tentativa de criação no país de uma rede em bitola UIC, o chamado “TGV”. Contudo, como é sabido, com ideias megalómanas e projetos mal estudados, o tempo foi passando, o país endividou-se, quase entrando em bancarrota, e nada foi feito. Quando a situação passou a estar melhor, António Costa torcia o nariz, dizendo que o assunto era tabu.
Contudo, como a pressão foi aumentando, o Governo achou que tinha de fazer qualquer coisa sonante na ferrovia; então, foi aos projetos do “TGV” e decidiu incluir no PNI2030 a construção de duas linhas de Alta Velocidade: Lisboa-Porto e Porto-Valença (Vigo). Aliás, nem foi feita qualquer atualização; tempos de percurso de 1h15 e 1h, e custos de 4500 e 900 milhões de euros, respetivamente. Só que, pasme-se, já não é em bitola UIC! Agora, no PRR, também nada está previsto para a rede em bitola UIC.
Num artigo publicado na edição de 12 de outubro do ano passado deste jornal, apresentei um Plano de Ação para a construção da rede ferroviária em bitola UIC em Portugal, ou seja, os três eixos do Corredor Atlântico, para o transporte de mercadorias e também de passageiros em Alta Velocidade nos eixos Lisboa-Porto e Lisboa-Madrid, que tem um custo de 5 mil milhões de euros, ou seja, menos que o custo das duas linhas de Alta Velocidade incluídas no PNI2030, que mantêm o país isolado do resto da Europa.
Isto é, com o PNI2030 e o PRR, apesar do dinheiro que vai ser gasto, pouco progresso vai haver. Não será assim difícil antever que, dentro de pouco tempo, Portugal estará mesmo na cauda da Europa. O declínio do país parece inevitável.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico