A ciência na coesão territorial

Só 20 anos depois da criação do estatuto de Laboratórios Associados apareceram os primeiros em territórios do Interior. Poderão ser invocadas diferentes razões para esta assimetria geográfica, mas a falta de excelência científica não será uma delas.

A ciência e a evolução do conhecimento assumem uma enorme importância como instrumentos para a coesão territorial, particularmente pela sua capacidade para aproximar a oferta de oportunidades de desenvolvimento entre diferentes regiões.

Existem atualmente exemplos diversificados de como o estabelecimento de núcleos de base científica e tecnológica desempenham um papel fundamental no desenvolvimento do território e na valorização do Interior. Casos como os do Cluster Digital do Fundão, do Polo de Inovação em Ciências Biomédicas na Covilhã e em Castelo Branco ou de Centros de Novas Atividades Agrícolas e Produtos Naturais em Elvas ou Évora (apenas para citar alguns) promovem novos patamares de conhecimento científico, permitindo estabelecer relações de simbiose entre a inovação, a investigação e a transferência de conhecimento, elevando a dinâmica de colaboração entre academia, empresas e outros agentes locais.

Só assim é possível aumentar os níveis de competitividade dos territórios, promovendo estratégias de expansão económica dos setores com capacidade instalada em cada região, criando as necessárias condições para a transferência e incorporação de tecnologia, conhecimento, capital humano, digitalização de processos e internacionalização.

Mas todo este processo exige um investimento sólido, e as políticas de financiamento, em particular as decorrentes de fundos europeus, devem evitar qualquer tendência centralizadora.

A realidade científica fora dos grandes centros urbanos é hoje incomparavelmente melhor, quer do ponto de vista da qualidade das suas infraestruturas, quer do nível de capacitação dos seus recursos humanos. Ainda assim, o panorama territorial é muito díspar. Senão vejamos: Portugal tem sabido promover um crescimento sustentado e progressivo da sua realidade científica. De acordo com os dados mais recentes da Fundação para a Ciência e a Tecnologia, existem em Portugal 309 unidades de investigação e desenvolvimento com classificação Bom, Muito Bom ou Excelente, o que representa um indicador muito meritório. Porém, destas 309 unidades, apenas 22 se localizam em territórios do Interior (Bragança, Covilhã, Évora, Oliveira do Hospital e Portalegre).

E esta disparidade não fica por aqui. Os Laboratórios Associados (LA) são lugares de excelência para apoiar políticas públicas, em áreas estratégicas como a transição digital e ecológica, as ciências agrárias e alimentares, as ciências da vida e da saúde, entre muitas outras. Os resultados provisórios do concurso de 2020 para atribuição deste estatuto mostram que, em relação às 26 instituições anteriormente reconhecidas, verificou-se um aumento de 54%. Estão agora criadas condições para 40 novos LA. Este resultado é um indicador significativo da qualidade científica em Portugal, mas só agora, 20 anos após a criação do estatuto, apareceram os primeiros LA em territórios do Interior. Isto também significa 20 anos de impossibilidade de aceder a financiamento muito vantajoso para estas unidades. Para se ter uma ideia, em relação aos 53,5 milhões de euros atribuídos em 2019, verifica-se em 2021 um aumento para 77,3 milhões de euros.

O cenário melhora um pouco no caso dos Laboratórios Colaborativos, em que oito dos 26 existentes a nível nacional estão localizados em territórios do Interior: Bragança, Vila Real (2), Oliveira do Hospital, Elvas, Idanha-a-Nova, Fundão e Vale do Côa.

Poderão ser invocadas diferentes razões para esta assimetria geográfica, mas a falta de excelência científica não será uma delas.

Olhemos para o exemplo de Bragança, onde atualmente está instalado um LA e um Laboratório Colaborativo, ambos especializados em recursos de montanha e com uma inquestionável afirmação de excelência no panorama internacional. Ambas as estruturas têm sido ferramentas essenciais para desenvolver carreiras científicas, para captar recursos humanos altamente qualificados, maioritariamente jovens, que muito contribuem para a competitividade e a coesão territorial.

Só a qualidade do trabalho praticado nesses centros de investigação permitiu que na distribuição de novos LA aparecessem pela primeira vez não só Bragança, como também Évora e Vila Real, que representam novas centralidades de conhecimento.

O seu impacto tem-se feito sentir ao nível do investimento, que aumenta as dinâmicas empreendedoras e empresariais com base em ciência, mas oferecem também oportunidades únicas de fixação e retenção de talento.

Esta aposta na formação e captação de recursos qualificados tem de ter continuidade, pelo que é essencial que se mantenham apoios dedicados e adaptados aos territórios do Interior, e que se continue a investir também em Cursos Técnicos Superiores Profissionais.

Todo este processo evolutivo tem exigido um grande nível de dedicação, rigor e determinação, mas o caminho tem sido percorrido de forma segura e sustentada. Certamente que o futuro, a manter-se esta magnitude de esforço e contando que todos – ou pelo menos a maioria – possam perceber o verdadeiro potencial de um território uno, garantirá a continuidade da expansão qualitativa e quantitativa da ciência em Portugal.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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