150 anos da Comuna de Paris: A luta das mulheres na primeira revolução proletária da história
Ficou não só a clareza da potência emancipatória da luta de classes, mas a constatação de que não há transformação política popular que não passe pela coragem insubmissa da mulher trabalhadora.
O mês de março do ano de 2021 assinala os 150 anos daquele que é considerado como um dos exemplos mais importantes da implementação da democracia popular – a Comuna de Paris – uma das revoluções proletárias mais importantes da história. Muitas interpretações se apresentaram após este marco histórico e político, algumas tornando-se clássicas, como as de Marx e Lenin. Entre críticas e aplausos ficou não só a clareza da potência emancipatória da luta de classes, mas a constatação de que não há transformação política popular que não passe pela coragem insubmissa da mulher trabalhadora.
Em França, elas já tinham uma longa tradição de participação em lutas revolucionárias. Na Revolução Francesa, as mulheres da burguesia já haviam assumido reivindicações políticas e de direitos civis; contudo, apesar das trabalhadoras precárias terem participado ativamente, suas reivindicações residiam sobretudo na luta pelo direito de existir, era contra a fome e contra a precariedade que as proletárias lutavam. Sem dúvidas, o movimento revolucionário abriu um espaço importante que permitiu às mulheres dos setores populares aceder à experiência da ação social e política coletiva.
O debate à volta da participação das mulheres demorou décadas até chegar a um ponto consensual. Enquanto Marx e Engels impulsionaram a organização delas junto dos seus companheiros de classe - Pierre Proudhon, filósofo francês e um dos precursores do pensamento anarquista, considerava inaceitável reivindicar qualquer tipo de direito para elas. Um exemplo desta postura remete-nos para o tratamento que deu a costureira francesa Jeanne Deroin por ocasião da sua tentativa de candidatar-se às eleições de 1849. Proudhon considerou sua candidatura uma afronta e uma ousadia grave, tendo-se indignado e usado argumentos ignominiosos para considerar as mulheres inaptas à votação. Segundo arquivos noticiados na época, Jeanne Deroin respondeu-lhe ao pedir que mostrasse o órgão masculino que o fazia apto votar.
Isolada, ela seguirá para o exílio e será esquecida por grande parte da historiografia da luta das mulheres. A sua postura aguerrida de costureira precária, só ganhará força anos mais tarde com a significativa participação feminina na Comuna de Paris, que trará mudanças substanciais ao movimento operário francês. O abandono do discurso proudhoniano e a reformulação da postura anarquista iniciará um processo de diálogo e trabalho com as mulheres politicamente ativas da classe trabalhadora.
Na Comuma de Paris, na linha de frente da luta, as representantes do povo estavam por todo o lado – nas fábricas, em comités, nos hospitais, na redação de jornais e nas barricadas. Quando o proletariado parisiense expulsou da cidade o governo burguês, somaram-se aos homens centenas de mulheres trabalhadoras que protagonizaram a emergência de um novo tipo de governo verdadeiramente democrático.
Na França de 1871, as mais exploradas estavam concentradas nas fábricas têxteis, nas minas com jornadas de trabalho de mais de 14 horas, ou em condições sub-humanas e com salários de miséria. É exatamente no caráter popular que reside o potencial do movimento, entre as manifestantes eram as operárias, as lavadeiras, as costureiras, as mães, que deram força ao movimento. É nesse contexto de insurgência e luta que se forma a União das Mulheres, uma associação de orientação marxista que rapidamente torna-se uma das maiores da Comuna. Várias das suas integrantes virão a constituir o batalhão de 52 mulheres armadas que, capturadas e desarmadas, foram fuziladas. Para além das que participaram em confrontos armados, é importante dizer que todas as manifestantes foram sumariamente condenadas, exiladas, deportadas ou caluniadas. Foram constantemente chamadas de bêbadas, libertinas, prostitutas, incendiárias - as pétroleuses, discurso abundantemente reproduzido na imprensa, como calúnia reacionária na tentativa de esconder as bombas incendiárias lançadas pelo próprio exército de Versalhes, e para justificar o massacre e a condenação de muitas operárias.
Neste 8 de março de 2021, é salutar recordar os 150 anos da Comuna a partir da história de luta de Louise Michel, professora, filha de uma empregada doméstica parisiense, importante liderança do movimento; também de Anne Jaclard (ou Anna Vasilyevna Korvin-Krukovskaya) socialista e feminista revolucionária russa, combatente na Comissão das Mulheres para Vigilância; e Marie-Catherine Rigissart, que comandou um batalhão de mulheres. E tantas outras que fizeram dessa revolução um marco na história da insurgência das mulheres da classe trabalhadora.