Qualquer filme é uma “viagem” subjectiva do realizador através de um determinado universo. Essa “viagem” pode ser entendida no sentido alucinogénico que aliamos ao consumo recreativo de drogas: um filme quando visto, e quando concebido, é uma alucinação, uma interpretação e uma recriação de determinados momentos que nada tem a ver com a realidade em si mesma. O realizador selecciona, primeiro dentro da sua cabeça, pedaços de tempo e pedaços do espaço que vai mostrar com um determinado intuito. No momento desta escolha é quando se dá a primeira viagem, quando um realizador foge do real e o torna estilizado ou distorcido mediante a sua visão. Isto acontece na ficção e no documentário. Perante uma possibilidade imensa de tempo e um ângulo de visão total, a escolha vai encaminhar o que se diz, reduzindo a porção do que se vê mediante uma objectiva óptica que tira do campo visual grande parte da envolvência e um microfone que é direccionado para os sons seleccionados. Tudo isto é depois afinado e alinhado na montagem. A segunda viagem dá-se quando o filme é visto e apreendido. É “uma viagem” que nos é oferecida sem os efeitos secundários das drogas mas que pode, e talvez deva, deixar no espectador efeitos posteriores que ele leva consigo depois do filme terminado. Deixemos, pois, aqui, como exemplo óbvio e redundante (mas nem por isso menos pertinente), a sequência final de 2001- Odisseia no Espaço, de Kubrick, onde a experiência lisérgica alucinogénica é assumida como inspiração de uma sequência manipulada segundo uma estética determinada pela experiência “real” (?) de uma viagem de LSD, transformada aqui numa viagem de espaço e tempo.
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