100 Anos do PCP e cinco razões (entre outras) para explicar a sua longevidade
Na história recente do regime democrático saído da Revolução de Abril, foi a ligação forte do PCP ao processo histórico de transformação do país que lhe deu a força com que se mantém ativo e com um lugar próprio no quadro político português.
Os partidos são entidades históricas, formados numa determinada conjuntura política. Com o tempo é de esperar que mudem, ou até se reconfigurem e, in extremis, possam desaparecer.
O PCP ainda vivenciou a I República, viveu clandestinamente durante todo o período ditatorial fascista, ganhou força com a Revolução de Abril, começou a perder dimensão eleitoral com a integração de Portugal na União Europeia, mas mantém um espaço único no quadro político português 100 anos depois do nascimento.
A sua existência centenária é, seguramente, um motivo de reflexão. Não se pode dizer que a sociedade não tenha mudado, porque mudou muito. O partido podia ter desaparecido na conjuntura difícil de 1939, por falta de apoio da Internacional, depois em 1949 quando os seus principais dirigentes foram presos, mesmo em 1989 e nos anos 90, como ocorreu com tantos outros partidos comunistas da Europa Ocidental perante a queda do mundo soviético. Não aconteceu. Desapareceram os seus dirigentes históricos, mas o partido continuou. Dias Lourenço, um desses “históricos”, afirmava que não havia que duvidar da marcha da humanidade para uma etapa superior de igualdade entre os homens: também o capitalismo demorara séculos a ultrapassar as barreiras do feudalismo e da servidão.
Então a que pode dever-se esta longa duração do PCP?
Ao “serviço de Moscovo” ou ao serviço dos portugueses?
Os adversários e inimigos do PCP sempre o acusaram de estar ligado a interesses estrangeiros, ao “serviço de Moscovo”, na versão anticomunista. Mesmo alguma historiografia não conseguiu ultrapassar esta mitologia do partido sujeito ao diktat da Internacional Comunista. Ora, isso é paradoxal e difícil de compatibilizar com a afirmação de um partido operário, condutor de lutas – em certas alturas do regime fascista o condutor hegemónico dessas lutas – e com um partido nacional e patriótico, empenhado no desenvolvimento do país e da sua independência nacional. É este enraizamento operário e nacional que faz do PCP um partido centenário? Sem que possa ignorar-se a importância dos apoios externos de Moscovo e das outras democracias populares de Leste a partir dos anos 50.
Entre a vanguarda revolucionária e o frentismo antifascista
Um outro reduto de luta ideológica tem, ao longo dos anos, acusado o PCP de colocar-se, estultamente, na “vanguarda” da luta, supostamente isolado do país que somos, arcaico e conservador. Mas esta é uma outra observação que cai por terra quando se analisa a sua vertente nacional e frentista. Aliás, esta é uma tensão que percorreu o próprio PCP durante toda a clandestinidade e mesmo no período revolucionário e democrático. Lembremos o frentismo de 34-39 contra a guerra e o fascismo, o de 1944-45 pela transição do regime por via eleitoral, o de 57-59 pela mudança do regime por via presidencial. E podíamos continuar por 1969 e 1973, através da constituição de comissões democráticas eleitorais. Esta vertente frentista é de tal modo persistente e forte que a pergunta que se pode fazer é até contrária à acusação de isolamento vanguardista: será que alguma vez o PCP considerou haver condições em Portugal para tomar o poder de forma revolucionária (incluindo o período do PREC)?
Uma escola de cultura letrada e de cultura de massa
O PCP desenvolveu linhas de convergência muito fortes com a área da cultura (letrada e popular). Alguns dos líderes da sua refundação de 1941 (como Soeiro, ou Álvaro Cunhal) eram intelectuais militantes. O exemplo mais forte desta convergência encontramo-la no Neorealismo, nos anos 40/50. Mas esta não é a única manifestação de forte simbiose entre a “cultura letrada” e o partido comunista. De facto, uma boa parte dos homens da ciência, da literatura e das artes comungavam com o PCP os ideais de luta contra o fascismo e pela reposição da democracia e dos direitos e liberdades. Perante um regime que não aceitava qualquer tipo de manifestação política legal e democrática, que outra aliança poderia imaginar-se durante o período da Ditadura? E da simbiose entre a cultura letrada e a cultura de massa o melhor exemplo é o evento de caráter único que o PCP realiza anualmente, a “Festa do Avante”.
“Coletivo” e “culto da personalidade”
Certos partidos comunistas desenvolveram mecanismos de personalismo mitificado, com um exacerbado culto da personalidade dos seus líderes. Isso não acontece no PCP. Mesmo não o considerando um dos “seus” – por lhe reconhecerem uma cultura e qualidades morais superiores –, os seus camaradas tratam Álvaro Cunhal, o líder incontestado do partido, por “o Álvaro”, ou seja, um igual a si. De facto, se alguém quer encontrar uma outra razão forte para explicar a longevidade do PCP tem de buscá-la no coletivo de homens e mulheres que, na clandestinidade ou em liberdade, responderam/respondem aos desafios da luta antifascista e da luta pela igualdade democrática.
E o voto é tudo?
Se só tivéssemos em conta a queda eleitoral do PCP – 18,8% em 1979 e 8,9% em 1999 –, com persistência deste último valor no séc. XXI, teríamos de concluir duas coisas: i) que a influência do PCP, mesmo no período revolucionário, não ficou a dever-se a um folgado resultado eleitoral, aliás, muito menor do que partidos com menos implantação no terreno como o PS e o PSD, ou mesmo o CDS; ii) que o decréscimo eleitoral (significativo no final do séc. XX) não foi razão para que o partido diminuísse a sua relevância no poder local e no mundo sindical. Já eventuais modificações destes dois campos – o autárquico e o sindical – podem vir a constituir problemas sérios na continuidade deste partido centenário. Como bem percebemos, na história recente do regime democrático saído da Revolução de Abril, foi a ligação forte do PCP ao processo histórico de transformação do país que lhe deu a força com que se mantém ativo e com um lugar próprio no quadro político português.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico