Pandemia socioemocional da infância e da adolescência
Conscientes dos perigos associados à infecção pelo novo coronavírus, reclamam com toda a força: “Quero a minha professora fora da televisão”, “quero ir para a escola”, “quero estar com o meu namorado”. Pedem para sair!
Estamos todos emocionalmente contaminados… As crianças estão fartas de pais-professores… Os adolescentes cansados de ouvir que “está tudo bem” e os jovens adultos angustiados porque não lhes faz sentido ter pais-melhores-amigos. Estas três gerações não se habituam ao confinamento e ao ensino à distância. E ainda bem!
Conscientes dos perigos associados à infecção pelo novo coronavírus, reclamam com toda a força: “Quero a minha professora fora da televisão”, “quero ir para a escola”, “quero estar com o meu namorado”. Pedem para sair! Como se estivessem presos numa gravidez que já foi para lá dos nove meses de gestação. Percebem por instinto de sobrevivência que já chega! Que a vida acontece no movimento de dentro para fora!
Estas três gerações recusam-se a ganhar imunidade de grupo para viver de dentro para dentro. Porquê? Porque nos demonstram na primeira pessoa que não se pode adiar a infância e a adolescência! Porque são extremamente claros em chamar de “perdas” aquilo que não estão a poder viver! “Estou a perder o meu último ano da primária”, “estou a perder os treinos”, “estou a perder o meu relacionamento”. Se não podemos ir novamente para a barriga das mães fazer acontecer o nosso crescimento, porque estamos a fazer de conta que está “tudo bem” e “em segurança” em infâncias e adolescências dentro de casa?
É óbvio que somos gratos por termos tido uma barriga que nos alimentou e nos aconchegou de carinho e de elevadíssima protecção! Felicidade a nossa por termos saído dela para criarmos os nossos próprios desejos! E agora voltamos a entrar??? Como a “barriga” já não é a mesma, vivem-se “coisas estranhas”… As mães e os pais passam a ensinar letras e números, a olhar para os filhos como “alunos”, a disponibilizar Internet ilimitada para o “convívio” dos filhos com amigos e a transformam-se em “grilos do Pinóquio” ao dizer o dia todo “está tudo bem, isto vai passar” ou “o meu filho está óptimo”.
Nesta segunda gestação de fora para dentro, a probabilidade de acontecerem “coisas estranhas” é praticamente garantida. E é incrível a facilidade com que os pais brincam a sério ao faz-de-conta ao incorporarem diariamente estes papéis e personagens. Realmente estão contaminados de cansaço, desgaste, tristeza, stress e medo. Uma pandemia socioemocional que atinge a nossa capacidade de sermos pais e de fazer crescer pessoas que são filhos!
As sequelas desta gravidez indesejada começam a ser notórias… As mais ligeiras registam alterações de sono e de apetite, irritabilidade, ansiedade e medos. As mais graves são atraso na linguagem verbal dos bebés, depressão infantil e juvenil, fobias e ataques de ansiedade, comportamentos de desafio e oposição e, nos adolescentes e jovens, tentativas de suicídio, consumo de medicamentos e drogas. Muitos deles por não terem aprendido a tolerar a mínima frustração, revelam uma forte repulsa ao sentirem as suas vontades e desejos adiados, e na busca desenfreada das sensações, encontram os comportamentos de auto flagelo como resposta… Ou então recorrem ao mundo de pura ilusão das redes sociais… Crescem também os casos de divórcio muitos deles relacionados com o conflito, a violência e os maus tratos em ambiente familiar. É uma gravidez de alto risco mesmo com todos os cuidados de amor, de magia e de ternura que muitos pais tentam garantir.
A vida que dentro da barriga já foi em tempos analógica, é agora totalmente digital… Aquele contacto corpo a corpo, tão completo e inteiro, torna-se fragmentado, distanciado. Não sabe bem estar lá dentro… Temos saudades do toque, de estar pele a pele com os amigos! Faltam os abraços e os beijos dos amigos! Se todas as emoções são também nossas “amigas”, então faz sentido ajudar pais e filhos a aceitar a tristeza, a angústia e a raiva! Conversar sobre elas, pôr o corpo a mexer por elas! Talvez seja o momento de fazer ecografias emocionais… Olhar para as nossas barrigas e reparar que estão vazias… Vazias de escola, vazias de brincadeiras com os amigos, vazias de momentos fora do ambiente casa/família. Este vazio não deixa a barriga respirar, é como se o cordão umbilical não mais alimentasse… Há tempo de tudo e para tudo! Somos felizes mas não somente por ter o coração a bater! São muitas as perdas quando se tenta adiar por tanto tempo, o tempo Presente das crianças e dos jovens.
Psicóloga clínica