A eleição de João Caupers para presidente do TC — de que se queixa afinal o PS?
Não se trata de um qualquer “arranjinho” partidário mas do cumprimento da composição constitucionalmente prevista para o Tribunal Constitucional.
João Pedro Caupers foi eleito Presidente do Tribunal Constitucional no passado dia 9 de fevereiro, após manifestação de indisponibilidade em permanecer nessa função do até então Presidente do Tribunal Constitucional, Manuel da Costa Andrade.
Em primeiro lugar, cumpre fazer referência à presidência de Manuel da Costa Andrade, que agora cessa. Eleito em julho de 2016, Manuel da Costa Andrade teve uma presidência que prestigiou este órgão de soberania. Discreto e ponderado, Costa Andrade soube exercer a presidência deste órgão com o recato que se exige e com a sabedoria e ciência jurídica que se lhe reconhece.
Se correspondentes a um desempenho apreciável, como é o caso, as referências de elogio e reconhecimento devem ser sobretudo feitas após o desempenho dos cargos e não apenas antes. Se forem prévias, podem sempre parecer oportunistas. Se forem posteriores são, pelo menos, mais genuínas. É uma pena que não haja este hábito institucional em Portugal que, mais do que ser devido, seria revelador de uma postura de reconhecimento que a República não pode deixar de ter.
Depois cumpre, naturalmente, manifestar a João Caupers, as maiores felicitações para o exercício desta exigente função, confiando naturalmente que o saiba desempenhar, como estou certo saberá, com a isenção, imparcialidade e distanciamento que função impõe.
Mas a verdade é que a notícia da designação de João Pedro Caupers como primus inter pares no Tribunal Constitucional (TC) foi acompanhada de surpreendentes declarações da líder parlamentar do PS, difíceis de compreender e enquadrar no patamar institucional. Em nome do PS, Ana Catarina Mendes veio publicamente queixar-se de não ter sido cumprido pelo PSD um alegado “acordo de cavalheiros” nos termos do qual a presidência do Tribunal Constitucional deveria ser rotativa entre PS e PSD.
Importa clarificar que sendo a Constituição da República Portuguesa (CRP) a nossa lei fundamental, protetora dos direitos, liberdades e garantias ela é, essencialmente, um documento político. Por essa razão a sua composição assenta fortemente na representatividade democrática. O artigo 222.º da CRP refere que “o Tribunal Constitucional é composto por treze juízes, sendo dez designados pela Assembleia da República e três cooptados por estes”. Pelo que importa desmistificar desde logo que não se trata de um qualquer “arranjinho” partidário mas do cumprimento da composição constitucionalmente prevista para o Tribunal Constitucional. Nos termos da qual 77% dos juízes são indicados pelo Parlamento, obedecendo naturalmente à representatividade partidária.
Aqui chegados, interessa então questionar, como se faz no título deste texto: “De que se queixa afinal o PS?” Vejamos:
Pode ver-se no próprio site do Tribunal Constitucional que a entrada de João Pedro Caupers como juiz do TC ocorreu por cooptação, tal como sucedeu com os juízes Pedro Machete e Lino Rodrigues Ribeiro. Ora, esta cooptação ocorre respeitando igualmente a pluralidade representativa tendo, nessa conformidade, o juiz Pedro Machete sido indicado pelo PSD e o juiz João Pedro Caupers indicado pelo... Partido Socialista! Então, como se pode entender que o PS esteja a queixar-se de uma eleição de que resulta a designação como presidente de um juiz que havia sido indicado por essa mesma força partidária? De facto, não se entende…
Como é público, a verdade é que apesar de João Pedro Caupers ter sido indicado pelo PS, este partido preferia ver como presidente do TC José João Abrantes, que havia sido eleito pela Assembleia da República apenas em 14 de julho de 2020. Mas não conseguiu que esse objetivo fosse acompanhado pelos senhores juízes que, apesar de indicados pelo PS, entenderam não se limitar a seguir a preferência do partido que os indica.
E o que é que pode o PSD ter que ver com isto? Rigorosamente nada!
Aliás, para piorar, não apenas nenhum dos juízes indicados pelo PSD eram candidatos à presidência do TC como nenhum desses colheu qualquer voto. O que significa que apenas se apresentaram como candidatos a presidir ao órgão senhores juízes de entre os indicados pelo PS! Donde resulta que o PS não apenas não conseguiu consensualizar um só candidato entre os seus indicados como não conseguiu sequer que os seus indicados se entendessem quanto a quem apoiar… e ainda consegue atirar responsabilidades para o PSD?
É de facto, do mais inacreditável que tenho visto.
No seu habitual afã de rechaçar responsabilidades, não tendo o PS conseguido obter a concordância dos juízes por si indicados, pretendia que fosse o PSD a fazê-lo. Mas será isto minimamente sério?
Rui Rio, precisamente por entender tratar-se esta eleição no seio do Tribunal Constitucional de uma escolha que deve competir apenas aos seus juízes, recusou imiscuir-se nas opções a tomar pelos senhores juízes. Numa visão respeitadora não apenas do órgão como sobretudo dos membros que o compõem. Numa visão que considera que os senhores juízes são indicados por partidos mas não são indicados para os representar.
Já o PS, na perspetiva controleira que sem pejo algum ostenta da máquina do Estado nas suas mais diversas variantes, considerava que o PSD deveria interferir nas escolhas que, em nossa opinião, apenas aos juízes compete fazer. E o requinte sórdido desta pequena estória é que o faz apenas porque não o conseguiu fazer perante os juízes por si indicados. Ironia suprema. E alguma falta de vergonha também. O PS não consegue assegurar junto dos juízes por si indicados a eleição de quem pretendia fosse o Presidente do Tribunal Constitucional e corre a atirar ao PSD que devia ter feito aquilo que o PS não conseguiu fazer … logo o PSD cujo Presidente não tem esta visão instrumental dos senhores juízes eleitos pela Assembleia da República para este importante órgão de soberania.
Tudo isto quando, para mais, o novo presidente do Tribunal Constitucional foi cooptado mediante indicação do mesmo PS… Isto é dum rocambolesco que, se não fosse assunto sério dava para um programa de humor.
Conhecido e exposta a dimensão inacreditável deste triste episódio, resta terminar com a pergunta sacramental: se isto é assim com juízes do mais alto tribunal português, como será com tudo o resto? Fica para reflexão.