A geração dos que não vão ficar bem
A perda de uma juventude qualificada é demasiado elevada para se poder ignorar. Neste momento tão difícil, as respostas têm de surgir, o apoio tem de chegar e o futuro dos jovens tem de ser defendido de forma intransigente.
Caminhamos para o décimo segundo mês de combate à pandemia. O romper do negrume em que estamos embrenhados prometia um terno e resplandecente arco-íris, um futuro auspicioso para os que resistem às amarguras de uma crise sanitária que ceifa pela raiz o quotidiano, mutila famílias e expõe a precariedade que envolvia os elementos de uma sociedade portuguesa estruturalmente incapaz de gerar níveis de bem-estar para as suas franjas mais desprotegidas e sujeitas a choques económicos. Tudo isto vai ficar bem, porque a esperança vacinou-nos contra a depressão e o sentimentalismo bacoco de orgulho na nação triunfante imunizou-nos contra a realidade dos que vivem e sofrem com os impactos da pandemia. Há que continuar a lutar, empenhar esforços conjuntos, sobreviver coletivamente à devastação do maremoto que nos debelou. Afinal de contas, estamos todos no mesmo barco…
Passado quase um ano de combate à pandemia, é momento de afirmar convictamente que esta ilusão se desvaneceu. As debilidades do sistema de resposta que o Estado português ensaiou para estancar os efeitos nefastos da resposta à crise sanitária demonstram-se insuficientes e incapazes de salvaguardar a estabilidade social, económica e psicológica dos cidadãos, elementos fundamentais para a manutenção da responsabilidade e solidariedade de cada um de nós para com os sacrifícios que a pandemia despertou e nos impõe.
Neste contexto, a Associação Académica de Coimbra apresentou um estudo sobre o impacto do confinamento na Academia de Coimbra, com o objetivo de delinear um quadro global dos efeitos que a pandemia e as medidas restritivas tiveram no quotidiano dos estudantes de ensino superior em Portugal. Os dados não podiam ser mais alarmantes. A instabilidade financeira e a incerteza no futuro sentidas pelos agregados familiares levam a que sete em cada dez estudantes já considerem a necessidade de abandonar o ensino superior nos próximos tempos. É a concretização de um medo antigo, da incapacidade do país salvaguardar todas as condições para que os seus jovens possam almejar prosseguir os seus estudos e, com isso, assegurarem o desenvolvimento futuro da sociedade portuguesa. É a antecipação de um pesadelo vivido no período da troika, onde milhares de estudantes foram obrigados a abandonar os seus percursos académicos pela incapacidade financeira de os suportar.
Os jovens estão, por isso, a viver um período de tensão extrema. A precariedade paira, novamente, sobre os seus ombros. Incapacidade de manter os seus estudos, aumento da taxa de desemprego jovem e precariedade salarial afastam o desejado arco-íris das expectativas das jovens gerações e suspendem os anseios de um início de vida digno e feliz. Na questão específica do ensino superior, a prioridade deverá ser a preparação do próximo ano letivo, garantindo que se mantenha a rota de progressiva diminuição dos custos de frequência do ensino superior, com o aumento da capacidade de alojamento em residências universitárias e com a diminuição da propina, garantindo a tranquilidade devida a todos os estudantes e suas famílias. É, além disso, fundamental que, de uma vez por todas, se limite a propina do segundo ciclo de estudos nas instituições de ensino superior, salvaguardando a universalidade de acesso a uma formação cada vez mais fundamental no mercado laboral.
A perda de uma juventude qualificada é demasiado elevada para se poder ignorar. Neste momento tão difícil, as respostas têm de surgir, o apoio tem de chegar e o futuro dos jovens tem de ser defendido de forma intransigente, sob pena de vermos fulminada outra geração à rasca, uma geração precária, uma geração daqueles que já não estão bem e pior ficarão, quando isto tudo passar.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico