Um militar na task-force contra a covid-19
Que o total processo de vacinação tenha pleno êxito, para o nosso bem e para o bem de Portugal.
A indigitação do sr. vice-almirante Henrique Gouveia Melo para assumir a superior chefia da task-force no processo de vacinação contra covid-19 suscitou dois tipos de reações: um, tecendo o panegírico de “agora sim, com um militar isto entra nos eixos”, outro, em sentido inverso, de espanto: “O quê? Um militar a exercer funções civis em democracia!” Deve dizer-se que estas posições têm a sua razão de ser. Por um lado, há que reconhecer que a grande capacitação organizativa, de operacionalidade, de estratégia e do “know-how” procedimental em situações-limite, a exigir uma intervenção em termos de rapidez e eficácia, são um apanágio militar; por outro, há uma certa apetência do executivo para confiar a militares questões só passíveis de solução civil, como é o caso do SEF ou de Proteção Civil, ou deixando protelar no tempo a militarização das forças de segurança como a GNR ou a Polícia Marítima, ao arrepio do artigo 272.º da Constituição.
Mas não é o caso ora em apreço. A task-force (uma força de intervenção rápida) foi criada por Despacho Conjunto n.º 11727/2020, de 26.11, dos srs. ministros da Defesa Nacional (MDN) e da Administração Interna (MAI) e da sra. ministra da Saúde. Diremos abreviadamente e no essencial que este diploma tem por objetivo a coordenação do complexo processo de vacinação contra a covid-19, processo esse já por si hoje agravado por uma carência de vacinas e de seringas. Atente-se que uma coisa é o ato de vacinação, uma ação estritamente médica; outra, a dinâmica quanto à distribuição ordenada e tempestiva de vacinas. Esta segunda tarefa é da responsabilidade da task-force.
Este organismo é composto de um núcleo de coordenação integrando a) elementos indicados pelo MDN, MAI, DGS e Infarmed, e abrange ainda b) órgãos, serviços e organismos de apoio técnico, oriundos do EMGFA, da Proteção Civil, Instituto Ricardo Jorge e quatro outros serviços de saúde.
Do ponto de vista militar há assim dois níveis de intervenção – o 1.º em representação do MDN, em pé de igualdade e com estatuto dos demais organismos civis que compõem o núcleo, e o 2.º de apoio e colaboração diretamente dependente do EMGFA, por força do n.º 6 do artigo 276.º da Constituição. É o caso, por ex, da disponibilização da sala de apoio do 5.º andar do edifício do Restelo.
A leitura que é, pois, lícito fazer é de que a nomeação do vice-almirante Gouveia Melo para dirigir a task-force decorre linearmente do facto de ele até aí estar a exercer as funções de adjunto deste organismo. As excelsas qualidades de marinheiro e de dirigente militar que possui, acopladas ao apoio da logística militar de que beneficiava, poderão ter funcionado como catalisadores para representar o MDN e não as Forças Armadas. Deste modo, quaisquer comentários pró ou contra a sua escolha, nomeadamente com reporte para as virtudes de militar, são, a nosso ver, meramente gratuitos e fora do contexto. Se a sra. ministra de Saúde foi quem solicitou a este distinto militar – afinal, um cidadão em uniforme – para dirigir a task-force, tudo decorre dentro dos parâmetros do funcionamento do próprio organismo a que diz respeito.
Que o total processo de vacinação tenha pleno êxito, para o nosso bem e para o bem de Portugal.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico