Senhor ministro, ofereça-me um par de bofetadas!
Continuamos, de quinze em quinze dias, a chegar à estação às 11 horas para apanhar o comboio das nove.
Sei que o país de repente se inundou de peritos em vacinação e saúde pública e não quero, de maneira nenhuma, ser mais um. Mas vacinar primeiro uns, depois os outros, e assegurar destinatários para doses que sobrem, não será uma tarefa assim tão difícil — e seguramente não é quando comparada com as tarefas que pressionam os profissionais de saúde todos os dias. Ninguém acreditaria que se pudessem descongelar caixas do bem mais precioso que temos neste momento sem saber a quem se iam dar, mas aconteceu e teve que se ir buscar à pressa malta ao café do lado para “não estragar”.
Temos estado às escuras! Não sabemos onde estão as vacinas, quem as tomou, a quem foram entregues, não sabemos… Os próprios especialistas reconhecem o atraso de sete dias nos indicadores que não são considerados quando é necessário aplicar medidas, medidas essas que (atrasadas desde o início) surtem efeito 15 dias depois. O estado a que chegámos é, como disse Manuel Carmo Gomes, “o resultado de andarmos atrás da epidemia”. Continuamos, de quinze em quinze dias, a chegar à estação às 11 horas para apanhar o comboio das nove!
O que era necessário continua a ser. A pandemia não mudou, mas a ação do Governo também não. Continua a ignorar especialistas, a ignorar a incompetência resultante de bloqueios próprios e auto-inflingidos, a esconder ou maquilhar a informação às pessoas e a “fazer” como quer. As reuniões do Infarmed, por exemplo, que o Governo faz parecer um conjunto de técnicos com gráficos cujas opiniões são divergentes, já nem sequer servem para o Governo aprender o que não sabe e, se não vale mesmo a pena teorizar sobre as motivações da saída de alguns, vale a pena que tenho de os nossos melhores perderem a paciência para lá estar “a falar para o boneco”, compreendendo bem, neste contexto, que se se dediquem às suas outras atividades, onde as conclusões científicas não têm de estar alinhadas com o protocolo do Estado.
A vacinação foi de tal forma atabalhoada que em poucos dias após a demissão do coordenador apareceu um calendário, já se admite testagem em força, a comunicação está serena, existe mais informação e mais preocupação com detalhes logísticos em vários pontos do país. Contra frases feitas, como “não se mudam generais no meio da guerra”, bastavam umas escassas leituras de História para se perceber que muitas vezes foram as mudanças de generais que as ganharam e, não sendo seguramente garantia de sucesso, é essencial mudar os generais quando estamos a perder batalha após batalha. Parafraseando Camões, um fraco líder continua nos dias de hoje a fazer fracos os fortes profissionais (na saúde, na educação, nos demais serviços essenciais, em todas as outras profissões e atividades). Por isso há que sublinhar o que toda a gente tem permitido que se ignore: obviamente, as demissões servem um propósito, porque permitem substituir quem (já) não tem capacidade por quem pode fazer melhor.
Lembra-se do “par de bofetadas” que João Soares prometeu numa rede social? Foi quando este primeiro-ministro, pela primeira vez, mandou um ministro embora: e pensava-se que daí se poderia retirar que António Costa exigia muito aos membros do seu Governo: porque “até na mesa de café se era ministro”.
Mas afinal, anos passados, já percebemos que o que move demissões e a ação do Governo não é a exigência dos resultados, mas antes a pressão pública do caso mediático… É tanto assim que, às vezes, até chego a desejar que qualquer uma das pessoas que deviam sair do Governo me oferecessem nas redes sociais as proverbiais bofetadas: podia ser um dos atos mais valiosos com que contribuiriam hoje para um melhor futuro do nosso país…
Não quero sequer entrar pela análise da responsabilização e da culpa, que fica para outro artigo, até porque Costa nunca tem culpa: colocou em Centeno a culpa de ambicionar ser Governador do Banco de Portugal (mas foi ele quem o nomeou), colocou em Constança Urbano de Sousa a culpa pela falta de proteção civil nos incêndios, a culpa da TAP em Pedro Nuno Santos, a recuperação do país em Costa e Silva...
Infelizmente o critério não é o resultado do combate à pandemia, nem os resultados concretos das medidas bem ou mal sucedidas nas suas áreas setoriais. Não é fazer o suficiente para reter no Governo o talento e a competência. Não é renovar o capital de autoridade do Governo que outros ministros desbarataram (seja com procuradores europeus, seja com ações erráticas no SEF…). O critério é a imunidade do grupo que governa... e não há outra forma de mudar a governação que não seja o sobe e desce dos jornais. Para isto, não há ainda vacina, mas já andam por aí os efeitos secundários.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico