EUA na relação com a União Europeia e Portugal
Espera-se que a União Europeia, agora em tempo de presidência portuguesa, saiba aproveitar a mudança em Washington para reafirmar também um novo atlantismo e que Portugal, com os outros países europeus, não se permita perder este activo fundamental.
Joe Biden é o novo Presidente dos EUA num momento complexo da história americana e mundial. Unir os americanos e revitalizar a democracia americana. São estas as ideias essenciais desde a sua tomada de posse. Ao fim de quatro anos, os EUA erguem-se de novo para o nível que sempre tiveram.
Isto não significa que o mundo vá ficar melhor. Mas é inegável que a partida de Trump tornou o ambiente político mais desanuviado. Joe Biden quer reparar os estragos, sem esquecer que o mundo mudou desde que foi vice-presidente.
O novo Presidente quer restaurar a credibilidade do país à frente de uma aliança de democracias ocidentais. A “liderança americana não é infalível”, como Biden referiu. Mas, se Washington não assumir esse papel, o vazio será preenchido por actores menos recomendáveis.
A capacidade de diálogo para encontrar soluções com inclusão numa plataforma moderada e a gestão da pandemia são os grandes desafios de Biden, que condiciona todos os outros, nomeadamente a recuperação económica.
A política americana continua a ter um grande peso nas relações estratégicas e económicas internacionais. Assim, com a entrada em funções da administração Biden, a cena internacional começou um novo capítulo. O diálogo deverá substituir a política da confrontação de Trump.
A visão de Joe Biden é muito mais tradicional do que a de Trump quanto ao papel e aos interesses dos EUA, assente em instituições internacionais estabelecidas após a Segunda Guerra Mundial e baseada em valores democráticos ocidentais compartilhados.
Espera-se que a União Europeia (UE), agora em tempo de presidência portuguesa, saiba aproveitar a mudança em Washington para reafirmar também um novo atlantismo e que Portugal, com os outros países europeus, não se permita perder este activo fundamental.
No entanto, é bom que comecemos a demarcar expectativas. O desanuviamento diplomático proposto é bem acolhido na Europa, mas ninguém está disponível para agir como se os últimos quatro anos não tivessem existido, desde logo começando pela Alemanha.
Na realidade, a desconfiança com os EUA aumentou, será inevitável a predominância da China, o sistema político americano partiu-se e cresceu a vontade por parte da UE em autonomizar estratégias.
É verdade que a administração Biden carrega um histórico transatlântico autêntico e parece estar interessada em trabalhar com os europeus, em frentes consideradas comuns, nomeadamente com a China. Porém, a dificuldade em unificar uma política euro-americana para a China foi um facto – gerador de algum desconforto da administração americana – que antecedeu a tomada de posse de Biden.
Berlim e outras capitais europeias, incluindo Lisboa, consideram que o relacionamento com a China deve ter um cunho europeu mais pronunciado e distinguir-se do modelo americano.
China e os EUA têm competido pelo lugar de maior economia do mundo, com o gigante asiático a caminho de ultrapassar os norte-americanos em 2028.
Importa, pois, acomodar a ascensão chinesa da forma menos confrontacional possível – parceiro de negociação em vez de parceiro estratégico ou competidor económico –, partindo do princípio de que a influência regulatória e normativa da UE é uma força geopolítica capaz de, no tempo, moldar o comportamento externo da China.
Ou seja, para que a influência sobre a China seja maximizada vai ser preciso fazer um caminho de aproximação entre os dois modelos: o europeu tornar-se menos cínico e mais pragmático, o americano pautar-se por menos agressividade e cerco estratégico.
Por outro lado, talvez seja preferível não cristalizar nas posições de partida e colocar o foco nos eixos onde o entendimento prático é exequível, sem projectar a realização de grandes cimeiras internacionais.
Em vez disso, interessa ter como objectivos a massificação da vacina com cooperação industrial, metas mais ambiciosas para a cimeira do clima em Novembro, passos concretos na reforma da Organização Mundial do Comércio e da Organização Mundial da Saúde, trabalhar um Acordo de Parceria Transatlântica mais minimalista e que coloque a regulação digital no centro da discussão.
Contudo, a nova agenda transatlântica é imprescindível à coesão europeia e à superação de vários desafios da globalização. É também um contributo para ajudar os EUA, que, como país ferido, precisa mais do que nunca que as alianças funcionem.
A administração Biden vai trazer maior clareza e menos tensão às relações transatlânticas e à NATO, que continua a ser essencial para a segurança e defesa de Portugal.
Nesse sentido, Portugal deve explorar os laços de proximidade com os EUA e o valor estratégico do seu território, no espaço do Atlântico Norte, onde a NATO desempenha um papel fulcral. O desinvestimento dos EUA na Base das Lajes decorreu de equívocos em governos anteriores dos dois países.
Além disso, nas relações entre Portugal e os EUA, não pode ser esquecido a existência de mais de um milhão de portugueses e luso-americanos que vivem nos EUA. Acresce que este país é o nosso maior mercado de exportação a seguir à Europa.
A administração norte-americana também se pode interessar mais por África, o que arrasta consigo os países africanos de língua portuguesa (PALOP), sendo estratégico para Portugal.
África pode, de facto, ser outra vantagem nesta equação: uma melhor relação com o líder americano poderá melhorar o diálogo sobre a utilização da Base das Lajes, pois há uma antiga ambição de Portugal ver a Terceira como parte do Comando dos EUA para África (AFRICOM). E, de acordo com últimos desenvolvimentos, a base passará a integrar a rota sul no Atlântico entre os EUA e África.
Com Biden, as relações dos EUA com Portugal devem ser menos tensas, depois de o embaixador norte-americano ter feito um ultimato ao Governo para escolher entre os aliados e a China. Mas, no que respeita à “nova Guerra Fria” com a China, não se espera que os EUA mudem muito o perfil da sua política externa.
O facto de não sermos neutros, não quer dizer que não sejamos autónomos. Aliás, temos um entendimento da nossa relação com a China que não pode ser reduzido a uma única dimensão, como foi característico da Administração Trump.
As escolhas que Portugal fizer nestas várias frentes ditarão não só o seu lugar na indispensável relação com Washington, reaberta pelo “Brexit”, pelo seu espaço político na UE, e a sua relevância geopolítica numa década marcada pelas tensões sino-americanas e pelo potencial africano.
É preciso construir um novo pacto fundador para uma Europa mais unida, para uns EUA mais fortes e para um mundo melhor. Precisamos de discutir tudo isto com a responsabilidade que o momento exige.