Não ter medo de ser livre
Em Dezembro de 2011 publiquei um artigo intitulado “Pedro Nuno, o malvado”. Era uma resposta aos ataques de que estava a ser alvo por ter a coragem de pensar pela sua própria cabeça, criticar os bancos alemães e, suprema heresia, defender uma alternativa ao dogma neoliberal dominante.
Foi acusado de populismo e as colunas convenientes puseram-no de seta para baixo. Os alinhadinhos do PS acharam que não era oportuno, os instalados de fora pressentiram que aquele jovem, ainda sem peso político, podia representar a ameaça de levar o PS para um projecto de esquerda. Ajudaria a concretizá-lo como Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares nas negociações para a “Geringonça”. Podia ter começado a pensar numa carreira bem comportada. Mas no último Congresso subiu à tribuna para defender uma moção de esquerda, subscrita também por Duarte Cordeiro. De novo acusado de populista, levantou os congressistas e ainda me lembro como terminou: “Isto não é populismo, isto é socialismo.”
Houve quem concluísse que era um desafio ao Secretário-Geral que, pelo sim pelo não, avisou que ainda não tinha metido os papéis para a reforma.
Agora Pedro Nuno (PN) apoiou Ana Gomes, criticou a ausência do PS nas presidenciais, alertou contra a tentação do regresso ao centrismo que, por toda a Europa, tem enfraquecido a esquerda democrática abrindo espaço ao crescimento da extrema-direita, lembrou o erro dos socialistas franceses por terem subestimado Jean Marie Le Pen e sublinhou a urgência de federar as esquerdas e combater as causas que originam a zanga das pessoas contra o sistema.
Convém ter presente que maioria dos dirigentes do PS sonha com o centrismo. Resignou-se à “Geringonça” como expediente táctico para manter o Governo. Mas também é preciso repensar a esquerda: uma perspectiva progressista consistente exige um debate sério para que a convergência não se limite a uma negociação orçamental.
Mas enfim, PN manifestou com autonomia a sua posição. Exerceu o seu direito de opinião e de crítica, apontou uma via política. Como o tem feito, noutro sentido, Francisco Assis. Tudo normal num partido de cultura democrática, se não vivêssemos um tempo de “respeitinho”, em que parece ter-se perdido o hábito e o gosto do debate político e em que é arriscado ter ideias.
O monolitismo não é socialista. Nasceu em 1903, quando Lenine impôs, no Congresso de Londres do Partido Social Democrata Russo, “o centralismo democrático”. Conceito contra o qual sempre se bateram os socialistas, desde Martov, passando pela rotura de Léon Blum com a Internacional Comunista até ao combate do PS contra o estalinismo. Monolitismo não rima com PS. Embora alguns dos seus tiques possam ser contagiosos. É uma espécie de vitória póstuma do estalinismo. O carreirismo convive mal com a liberdade de pensar. Ora, mais do que concordar ou não com PN, o que está em causa é a liberdade.
Eu também apoiei Ana Gomes. E não aceito a explicação estapafúrdia de que a eleição de Marcelo Rebelo de Sousa (MRS) foi uma vitória do PS. A eleição de MRS é uma vitória dele próprio, pessoal e não partilhável. O PS perdeu as eleições presidenciais por falta de comparência. E foi graças a Ana Gomes que o candidato da extrema-direita não ficou em segundo lugar.
Mas eis que um simples artigo vem incomodar os acomodados. Dirão que não é oportuno (nunca é). E que PN pretende candidatar-se a Secretário-Geral. E depois? Ninguém está proibido de pensar e divergir. Nem de se candidatar a qualquer cargo no PS. António Costa também não foi proibido de se candidatar contra António José Seguro. Vão ainda utilizar o argumento das prioridades: a pandemia, a crise económica e social. E daí? A liberdade não está suspensa. É nos momentos mais difíceis que ela é mais precisa. Sem liberdade nenhum projecto político tem sentido. Recordo a frase de Mário Soares que me fez aderir ao PS: “A liberdade é um valor em si mesmo revolucionário”. Liberdade que será sempre a liberdade de pensar de maneira diferente, dizia Rosa Luxemburgo. Mais do que nunca é preciso gente que não tenha medo de ser livre.