Líder Supremo do Irão abre a porta a acordo nuclear, Biden diz que sanções vão continuar
Irão e EUA querem restabelecer o acordo nuclear de 2015, mas estão num braço-de-ferro para ver quem cede primeiro. Se as sanções não forem levantadas até 21 de Fevereiro, Teerão vai aumentar ainda mais a sua capacidade de enriquecimento de urânio.
O Líder Supremo do Irão, ayatollah Ali Khamenei, abriu a porta ao regresso ao acordo nuclear, com a condição de os Estados Unidos darem o primeiro passo e levantarem as sanções, mas Joe Biden defende que as sanções são para manter e que Teerão é que terá de tomar a iniciativa, parando de enriquecer urânio para lá dos limites acordados em 2015.
Ao contrário do Governo iraniano, que nos últimos meses, sobretudo após a eleição de Joe Biden, tem demonstrado abertura para restabelecer o Plano Abrangente de Acção Conjunta (JCPOA, na sigla em inglês) - assinado em 2015 pelos Estados Unidos, França, Reino Unido, Rússia, China e Alemanha com o Irão -, a posição do ayatollah, até agora, tinha sido inflexível.
No entanto, este domingo, após uma reunião com comandantes da Força Aérea, Khamenei deu indícios de que pode ceder um pouco na sua intransigência e definiu a linha que Teerão vai seguir nas próximas semanas no braço-de-ferro com Washington.
“O Irão cumpriu com as suas obrigações à luz o acordo, ao contrário dos Estados Unidos ou dos países europeus. Se querem que o Irão retome os seus compromissos, os Estados Unidos devem, na prática, levantar todas as sanções”, afirmou Khamenei, citado pela televisão estatal iraniana.
“Depois de verificar que todas as sanções foram correctamente levantadas, voltaremos ao cumprimento total. É a decisão irreversível e final, e todas as autoridades iranianas estão em consenso”, anunciou o Líder Supremo iraniano.
Numa entrevista à CBS News gravada na sexta-feira que será transmitida este domingo, questionado quanto à possibilidade de os Estados Unidos levantarem as sanções para que o Irão volte à mesa das negociações, Joe Biden respondeu que “não”, reiterando de seguida que cabe a Teerão, em primeiro lugar, parar de enriquecer urânio.
Em 2015, em troca do levantamento das sanções económicas, o Irão comprometeu-se a conter o seu programa nuclear – que garante ter apenas fins energéticos e nunca com o objectivo de desenvolver uma bomba atómica -, permitindo o acesso de autoridades internacionais às suas centrais nucleares, de forma a garantir o controlo dos níveis de enriquecimento de urânio.
No entanto, em 2018, o então Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, decidiu retirar-se unilateralmente do acordo, e, progressivamente, foi impondo novas sanções a Teerão, que respondeu com o aumento da sua produção de urânio e consequente violação do acordo.
O assassínio do cientista iraniano Mohsen Fakhrizadeh, apontado como o cérebro do programa nuclear iraniano, em Novembro do ano passado, num ataque que Teerão atribuiu a Israel, foi a gota de água e levou as autoridades iranianas a darem ordens para, no início de Janeiro, o país começar a enriquecer urânio a 20% - muito abaixo dos 90% necessários para o desenvolvimento de uma arma nuclear, mas bastante acima do limite de 3,67% definido no acordo de 2015.
Pressão sobre Biden
Durante a administração Trump, as relações entre Estados Unidos e Irão atingiram o seu ponto mais baixo, e a eleição de Joe Biden trouxe alguma esperança na aproximação dos dois países.
Contudo, o relógio está em contagem decrescente para que ainda seja possível salvar o JCPOA, uma vez que o Parlamento iraniano aprovou uma lei que determina que, caso as sanções norte-americanas não sejam levantadas até 21 de Fevereiro, Teerão vai não só expulsar os inspectores da Agência Internacional de Energia Atómica como aumentar ainda mais a sua capacidade de produção de urânio.
Além disso, em Junho, o Irão tem eleições legislativas e os próximos meses vão, por isso, ser marcados pela campanha eleitoral, sendo expectável que a retórica contra os Estados Unidos aumente e, em última instância, que a ala mais conservadora e radical derrote a ala mais moderada, actualmente no Governo chefiado pelo Presidente Hassan Rohani.
“O tempo está a esgotar-se para os americanos, tanto por causa da lei aprovada no Parlamento como pela atmosfera eleitoral que se seguirá ao Ano Novo Iraniano [que começa a 21 de Março]”, alertou Mohammad Javad Zarif, ministro dos Negócios Estrangeiros do Irão, numa entrevista ao jornal iraniano Hamshahri publicada no sábado.
“Quanto mais a América procrastinar, mais perderá. Vai parecer que a Administração Biden não se quer livrar do legado fracassado de Trump”, pressionou Zarif, reiterando que a bola está do lado dos Estados Unidos.
Apesar de já ter demonstrado vontade de chegar a um acordo com o Irão, a Administração Biden não pretende ceder e tem defendido que deve ser Teerão a tomar a iniciativa, deixando de enriquecer urânio como condição para que as sanções sejam levantadas.
Na sexta-feira, o secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, participou numa chamada telefónica com os seus homólogos francês, alemão e britânico, tendo estado em discussão uma abordagem comum em relação ao Irão.
A Europa tem defendido a urgência de retomar rapidamente o acordo nuclear, uma preocupação subscrita pelos Estados Unidos, que espera ainda conseguir persuadir o Irão a restringir o seu programa de mísseis balísticos, uma hipótese afastada pelo regime que não quer perder influência no Médio Oriente, onde disputa a hegemonia com a Arábia Saudita.