Noite eleitoral desigual
Como podem as mulheres ser cerca de metade da população, o voto ser universal e a sua representatividade política no comentário televisivo ser tão reduzida? Há algum nexo nestas opções editoriais? Claramente não.
As reações sobre a ausência de mulheres nos painéis de comentadores das eleições presidenciais multiplicaram-se nos últimos dias nas redes sociais e fora delas.
Uma análise da noite eleitoral (na RTP, TVI, SIC e CMTV) mostra-nos que, entre os comentadores, 87% foram homens. O cenário nos programas de rescaldo eleitoral também se revelou desproporcional, 73% foram homens.
Mas o que se passou na noite eleitoral, e nas análises que se seguiram, não é novidade. Em 2020, 80% dos comentadores políticos residentes nos canais de televisão portugueses foram homens. E, ao contrário do que poderíamos supor, os números não se têm tornado mais favoráveis às mulheres. Em 2016, os homens eram 67% e em 2019 eram 66%.
Os dados são da análise regular levada a cabo pelo MediaLab do ISCTE-IUL, que incidiu nos espaços de comentário político de comentadores “residentes”, onde se faz análise política com uma regularidade “fixa” semanal. Uma análise que tem acompanhado o fenómeno do comentário político em televisão, em 2016, 2019 e 2020.
A desigualdade de género verificada na noite e rescaldo eleitoral deve ser analisada no contexto da subrepresentação crónica das mulheres no comentário político televisivo, uma vez que a composição dos painéis de comentadores das eleições presidenciais é reflexo do desequilíbrio existente entre comentadores televisivos “residentes”.
Voltando à análise realizada pelo MediaLab em 2020, nos 15 espaços regulares de “assinatura”, ou seja, de comentário individual sem contraditório, como por exemplo os de Marques Mendes, na SIC, ou Paulo Portas, na TVI, apenas três eram ocupados por mulheres.
Os dados de 2020 sobre o comentário televisivo mostram-nos ainda algumas diferenças de género no que respeita ao posicionamento político dos comentadores residentes. Entre os homens, passíveis de serem identificados pelas audiências com uma tendência política definida, verificamos que 60% se posicionavam mais à direita. Por outro lado, entre as mulheres, 89% posicionam-se mais à esquerda.
Como podem as mulheres ser cerca de metade da população, o voto ser universal e a sua representatividade política no comentário televisivo ser tão reduzida? Há algum nexo nestas opções editoriais? Claramente não. É claro que se poderia argumentar que na Assembleia da República também não há igualdade de género na representação, mas na televisão hoje em dia ainda há menos.
Igualmente importante é que essa diversidade no comentário atinja outras dimensões da diversidade. Um bom começo seria baixar a média etária dos comentadores e criar critérios editorais que dessem mais espaço àqueles a quem falta interesse pela política e voto. Talvez, assim, a televisão contribuísse para ajudar a resolver problemas em vez de apenas mostrar os problemas.
Investigadores do MediaLab ISCTE
Os autores escrevem segundo o novo acordo ortográfico