Moçambique enfrenta ameaça jihadista
A presença de células jihadistas no norte do país tem funcionado como um obstáculo à tão desejada concretização de projectos relacionados com o desenvolvimento de Moçambique.
Moçambique vive um momento crucial da sua vida política, social e económica com elevadas repercussões no seu futuro, enfrentando desafios múltiplos.
Os ataques jihadistas no norte do país, província de Cabo Delgado, constituem uma ameaça complexa. Ao mesmo tempo há ataques armados noutras duas províncias, Sofala e Manica, no centro do país, por dissidentes da Renamo. A persistente e destrutiva violência armada exige permanente atenção da comunidade internacional pelas graves consequências humanitárias e a ameaça de alastramento regional.
No final de 2017 Moçambique foi surpreendido pelos ataques armados às instituições do Estado na vila de Mocímboa da Praia, província de Cabo Delgado, perpetrados por um grupo com reivindicações da prática de um Islão radical. Os autores daqueles ataques armados, foram treinados por milícias no Congo, Quénia e Somália incluindo o grupo terrorista al-Shabaab filiado do Daesh, de acordo com um estudo - Radicalização Islâmica no Norte de Moçambique.
Em Cabo Delgado estão praticamente todos os ingredientes necessários à proliferação do radicalismo: tem a maior taxa de iliteracia de Moçambique e uma taxa de desemprego, principalmente jovem, muito elevada; há forte presença do crime organizado (e da corrupção); e permanentes conflitos étnicos.
Os ataques naquela província vieram a agravar-se, em 2020, tendo os confrontos provocado uma grave crise humanitária com cerca de 2 mil mortes. E mais de 500 mil refugiados aumentando a pressão na capital provincial (Pemba). O primeiro objectivo foi o de criar instabilidade na região e dar início a negócios ilícitos estando os islamitas ligados a organizações que operam o tráfico ilegal de madeira, de droga e de pedras preciosas, movimentando avultadas verbas. Aquele tráfico ilegal tem sido operado por máfias chinesas e vietnamitas, com a ajuda e cumplicidade de comerciantes e elites locais, ligadas ao poder, o que fomentou o descontentamento e a desconfiança por parte das populações.
No início dos confrontos, o Governo moçambicano tentou minimizar a subversão, classificando as milícias como criminosos e bloqueando o acesso de jornalistas à região. Mas isso tem mudado. A maioria da sociedade e dos políticos agora admite que existe uma subversão de cariz islâmica. A facilidade de recrutamento dos jihadistas resulta do facto do grupo visar jovens sem emprego e de serem maioritariamente membros do mais pequeno e marginalizado grupo étnico, os kimwanis, que “aplaudem os actos terroristas”. A população da zona nordeste, onde se desenrola a guerra, é essencialmente muçulmana.
Os jihadistas têm tentado acelerar o descontentamento social e radicalizar clivagens políticas e sociais, pois conseguiram obter uma rede eficiente de apoio logístico e informação. No que diz respeito aos estrangeiros que operam em Cabo Delgado – com armas sofisticadas - são oriundos, nomeadamente, da Somália, Iémen, Tanzânia e outros países da região dos Grandes Lagos (RDCongo, Burundi, Ruanda e Uganda).
As forças moçambicanas de defesa e segurança (FDS) mal treinadas e equipadas têm sido apoiadas por empresas militares privadas (mercenários) com meios aéreos. Porém, a ofensiva não tem obtido sucesso na recuperação do controlo da região, tendo em conta o modus operandi dos grupos armados. Sublinhe-se, que Cabo Delgado não é a única preocupação das FDS. Há registo de confrontos na região centro, nas províncias de Sofala e Manica, que são palco de ataques da autoproclamada Junta Militar, uma dissidência armada da Renamo. Contudo, não há evidências de existir qualquer ligação aos jihadistas.
Além da questão da segurança das populações e da preocupante crise humanitária, a situação em Cabo Delgado tem provocado preocupação suplementar porque, nesta província, está em desenvolvimento um projeto de exploração de gás natural, a inaugurar em 2022, considerado fundamental para a economia moçambicana, sendo o maior investimento privado de África para exploração de gás natural.
A perspectiva de um forte potencial económico ligado à exploração de recursos naturais reacendeu as questões relacionadas com o domínio da máquina governamental e com a distribuição da riqueza. Por outro lado, a presença de células jihadistas no norte do país tem funcionado como um obstáculo à tão desejada concretização de projectos relacionados com o desenvolvimento de Moçambique.
Na realidade, num país extremamente pobre (entre os dez países mais pobres do mundo), as suas reservas confirmadas de mais de 2,8 biliões de m3 de gás natural, tornam Cabo Delgado prioritário, pois Moçambique passará a ser terceiro maior exportador mundial. Os ataques como os de Mocímboa da Praia indicam que o terrorismo jihadista está a procurar apoio nas comunidades locais para controlar o território e os seus recursos económicos.
O conflito tem de ser combatido com uma estratégia de contra-subversão, que exige ação política, social e psicológica com apoio externo, dada a fragilidade do Governo e das FDS. O sucesso nesse combate passa não só pelo reforço da capacidade militar, dos serviços de inteligência, de assistência às populações locais mas, fundamentalmente, da cooperação com o Governo da Tanzânia e a Southern African Development Community (SADC), a quem cabe garantir a estabilidade regional.
Neste quadro, torna-se urgente uma intervenção internacional para ajudar a proteger a população da brutalidade do conflito. A eventual intervenção portuguesa deverá consistir apenas no apoio à formação de tropas especiais. E no apoio à ação de organizações humanitárias a operar no terreno.
Portugal prepara-se para assinar o novo acordo quadro de cooperação militar, tendo em conta o pedido de auxílio, já formalizado junto da União Europeia (UE), para o combate ao terrorismo jihadista em Cabo Delgado. O facto de Portugal assumir a presidência do Conselho da UE pode, aliás, facilitar a resposta de Bruxelas à solicitação de Maputo que necessita de um apoio de maior densidade, incluindo não só o treino militar e ajuda humanitária, como também missões de vigilância costeira. Neste âmbito, os militares moçambicanos deverão ser armados e equipados para um misto de guerra defensiva de posições a ser assegurada por tropa de quadrícula e de guerra ofensiva de contra-guerrilha a ser conduzida por Fuzileiros e Comandos das suas FDS.
O maior risco para Moçambique será a incapacidade para aproveitar os seus recursos nacionais, fragilizando a sua independência e consequentemente a sua integridade territorial.