Com os hospitais de todo o mundo inundados, a elite do Zimbabwe descobriu que a covid-19 mata ricos e pobres
Não há camas, os enfermeiras usam a mesma máscara durante os turnos de 12 horas, não há ventiladores. O sistema de saúde pública colapsou há muito. Mas as autoridades dizem que os nossos hospitais estão “preparados” e que a aposta é a prevenção.
Quando os ricos e poderosos do Zimbabwe ficam doentes, geralmente vão para o exterior em busca do melhor tratamento que o dinheiro pode comprar. O Presidente deposto, Robert Mugabe, morreu num hospital de Singapura, em 2019. Mas com as viagens reduzidas devido ao coronavírus, esse luxo desapareceu, expondo a elite a uma verdade que a maioria conhece há muito tempo: o sistema de saúde do Zimbabwe desintegrou-se há anos e luta para lidar com o aumento de casos de covid-19.
Entre os médicos assoberbados cresce a cólera e aumenta cada vez mais a insatisfação pública com o Presidente Emmerson Mnangagwa, que prometeu o renascimento económico do país depois de assumir o lugar de Mugabe após o golpe de 2017.
“Este é um duro despertar para o governo e para os políticos”, disse Norman Matara, secretário-geral da Associação de Médicos pelos Direitos Humanos do Zimbabwe. “Quando se tem décadas de destruição contínua do sistema de saúde pública, e agora uma pandemia... não se pode reverter essa decadência num ano ou em seis meses.”
A economia do Zimbabwe estava em crise antes mesmo do coronavírus atacar, após anos de hiperinflação, escassez aguda de divisas e cortes de energia. Agora deve está a braços com o aumento da pandemia. Mais da metade dos 32.646 casos confirmados de covid-19 no Zimbabwe e dois terços de suas 1160 mortes foram registados apenas em Janeiro, de acordo com a contagem da Reuters.
Entre os que morreram nos últimos dias estão dois ministros, um general na reforma e outros altos funcionários. Os dois ministros foram tratados numa clínica particular. Um porta-voz do Governo abriu uma polémica nas redes sociais nesta semana, quando sugeriu no Twiter que as mortes de dirigentes do partido no poder podiam ter sido obra de “médicos assassinos”.
O porta-voz pediu desculpas e apagou as publicações, depois de profissionais de saúde terem sublinhado que há meses que arriscam a vida para tratarem doentes quando não têm equipamento de protecção adequado, ventiladores e outros materiais vitais.
O Governo de Mnangagwa diz que está a fazer o melhor que pode com recursos limitados numa economia que está em recessão desde 2019. Agnes Mahomva, coordenadora nacional da equipa Covid-19, disse à Reuters que o Zimbabwe estava equipado para lidar com a segunda vaga da pandemia e que o Governo estava a dar prioridade à prevenção depois de endurecer as regras de confinamento no início de Janeiro.
“Esperávamos esse aumento porque as pessoas relaxaram. Os nossos hospitais estão adequadamente preparados para lidar com os pacientes, mas continuamos a dizer ‘usar máscara e ficar em casa’ - é a melhor maneira de vencer a covid-19 ”, disse Mahomva.
O país de 15 milhões de habitantes tem 84 ventiladores em funcionamento em hospitais públicos e 1049 leitos destinados a pacientes covid em instituições privadas e públicas, de acordo com dados do Ministério da Saúde.
No Grupo de Hospitais Parirenyatwa, o maior centro covid-19 do país, com 97 camas, há duas em cuidados intensivos e o hospital está quase lotado, disse Rashida Ferrand, epidemiologista e médica do hospital. Os hospitais privados, mais bem equipados, têm menos de 15% da capacidade nacional de camas e cobram o equivalente a pelo menos 2400 euros para admitir pacientes com a doença.
Alguns cidadãos desesperados recorreram às redes sociais em busca de camas hospitalares e ventiladores para familiares doentes.
Desespero
Os dois ministros e o general que morreram de covid-19, foram enterrados na quarta-feira após serem declarados heróis nacionais por seu papel na guerra de libertação dos anos 1970. O vice-presidente Constantino Chiwenga disse a uma multidão de cerca de 300 pessoas no funeral conjunto que o vírus era cruel.
“A covid-19 ensinou-nos uma lição importante, que somos todos mortais. Não faz distinção entre os poderosos e os fracos, os privilegiados e os destituídos, os que têm e os que não têm”, disse Chiwenga, que usava máscara e protector facial e que também é ministro da Saúde.
Chiwenga fez várias viagens à China nos últimos 18 meses devido a uma doença não especificada. A covid, prosseguiu o vice-presidente, “é um rolo compressor implacável que deixa um rastro de desespero e desesperados”. Acrescentou que os planos de vacinação seriam anunciados em breve.
Profissionais de saúde na linha de frente no combate ao coronavírus dizem que estão desmoralizados com os salários baixos e a falta de equipamentos de protecção. Enoch Dongo, presidente da Associação de Enfermeiros do Zimbabwe, disse que a maioria das enfermeiras trabalha em turnos de até 12 horas sem luvas, aventais médicos ou sapatos de segurança e que têm apenas uma única máscara cirúrgica para todo esse tempo.
“Psicologicamente, mentalmente e fisicamente, os enfermeiros estão traumatizados, porque os pacientes estão a morrer quando estão aos seus cuidados... algumas são mortes evitáveis”, disse Dongo. “É um alerta para todos, para os políticos, para o povo do Zimbabwe para a comunidade empresarial: precisamos investir no nosso sistema de saúde porque agora, com a covid-19, ninguém pode viajar para fora o país.”