A Sala Oval é sinónimo do poder e majestade da presidência norte-americana. Cada presidente muda a decoração desta sala reflectindo a sua personalidade e o tipo de presidência que espera ter. A decoração de Biden é notável pelo número de retratos e bustos de figuras históricas americanas conhecidas. o 46.º presidente decorou a sala com imagens de líderes e ícones americanos. Mesmo em frente à sua secretária, a parede é dominada por um quadro de Franklin Delano Roosevelt, num elogio claro a um presidente que ajudou o país a sair de crises significativas, um desafio que Biden também enfrenta.
Alguns quadros estão emparelhados, como os que representam o presidente Thomas Jefferson e o ex-secretário do Tesouro Alexander Hamilton pendurados próximos um do outro — os dois discordavam frequentemente. O gabinete de Biden informa que as pinturas foram agrupadas para mostrar “como as diferenças de opinião, expressas dentro dos parâmetros de protecção da República, são essenciais para a democracia”. “É importante para o presidente Biden entrar numa sala que se parece com a América e começar a mostrar [através destas escolhas] de como será enquanto presidente”, explica Ashley Williams, responsável pelo gabinete.
Bustos de Martin Luther King Jr. e Robert F. Kennedy ladeiam a lareira. Biden frequentemente fala do impacto que os dois líderes tiveram no país como parte do movimento pelos Direitos Civis. Biden acena ainda aos apoiantes de base do Partido Democrata através de referências históricas. Por exemplo, por detrás da secretária, junto às fotografias de família está um busto de Cesar Chavez (1927-1993), o líder latino-americano pelos direitos civis. O activista lutou pelos direitos dos trabalhadores rurais nos EUA. Julie Chavez Rodriguez, a neta do líder trabalhista, é a directora para os Assuntos Intergovernamentais da Casa Branca.
Há ainda bustos de Rosa Parks, Eleanor Roosevelt e uma escultura de Allan Houser da tribo Chiricahua Apache — que pertenceu ao falecido senador democrata Daniel Inouye, o primeiro nipo-americano eleito para as duas casas do Congresso Há ainda quadros de George Washington, Abraham Lincoln, Franklin D. Roosevelt, Thomas Jefferson e Alexander Hamilton e um busto de Daniel Webster, um ex-senador que defendeu a união do país. Um quadro de Benjamin Franklin pretende representar o interesse de Biden pela ciência, um interesse sublinhado por uma rocha lunar colocada numa estante que tem o objectivo lembrar os americanos da ambição.
As cortinas douradas de Donald Trump foram substituídas por umas de um tom mais escuro que pertenceram a Bill Clinton, assim como o tapete azul escuro. Foram-se as bandeiras militares que Trump tinha atrás da secretária, agora está uma bandeira americana e outra com o selo presidencial.
Também foi tirado o retrato do ex-presidente Andrew Jackson que Trump pendurara. Jackson, o sétimo presidente dos EUA, foi o primeiro a ser eleito directamente e propôs acabar com o colégio eleitoral, além de ter escravos e assinou uma lei que teve como consequência a morte de milhares de índios, enquanto dezenas de milhares foram forçados a sair das suas terras para dar lugar aos colonos que chegavam da Europa.
Uma quebra nas tradições
Donald Trump e Melania Trump despediram-se e embarcaram no Air Force One, na quarta-feira, e o sucessor Joe Biden, junto com a mulher, Jill Biden, acordaram na Blair House, a casa de hóspedes presidencial em frente à Casa Branca. As câmaras de televisão captaram as imagens dos casais, enquanto os Biden se dirigiam para uma cerimónia religiosa, os Trumps voavam para a sua nova casa em Mar-a-Lago, no sul da Florida — fugindo de Washington D.C. e evitando receber, ou mesmo reconhecer, os novos ocupantes da morada mais importante da nação.
Foi assim o início de um dia de posse extraordinário que marcou uma ruptura histórica com algumas das tradições que há muito acompanhavam a transferência da Casa Branca. A amarga recusa de Trump em reconhecer os resultados das eleições ou participar nas cerimónias de tomada de posse significou que não haveria o habitual chá entre os casais antes do juramento de Biden. Até Trump, nenhum presidente cessante deixou de testemunhar a transferência de poder durante a tomada de posse no Capitólio; essa tarefa foi deixada ao vice-presidente Mike Pence. E, por fim, não houve boas-vindas cordiais para os novos ocupantes da Casa Branca, nem apertos de mão e fotografias dos dois casais, juntos, tiradas no pórtico da residêncial presidencial.
Outras tradições, como o desfile presidencial ao longo da Avenida Pensilvânia, foram silenciadas pela pandemia do coronavírus e pelas preocupações com a segurança, por isso, as multidões foram mantidas longe. A presença de dezenas de milhares de policiais e soldados da Guarda Nacional, após a insurreição no Capitólio por uma multidão pró-Trump há duas semanas, criou um sentimento de opressão durante as comemorações. Mesmo assim, as mudanças na Casa Branca aceleraram, marcadas por pequenos e grandes marcos enquanto uma equipa de funcionários do governo se apressava para completar a transição rápida e altamente coreografada de uma primeira família e equipa para a outra.
Empresas de mudanças descarregaram móveis e instalaram computadores. Equipas de limpeza fizeram uma limpeza profunda à Casa Branca, à Ala Oeste e à Ala Este, a um custo relatado de meio milhão de dólares, após a saída da administração Trump que ignorou sistematicamente as preocupações básicas para evitar contágios do coronavírus. Trabalhadores penduraram fotografias emolduradas nas paredes da Ala Oeste, incluindo uma de Biden discursando, na terça-feira, de um púlpito com o nome do seu filho Beau.
Muitas mudanças
Na Casa Branca, era palpável a expectativa no seio da nova administração. O áudio da tomada de posse no Capitólio foi transmitido pelo sistema de altifalantes da sala de imprensa e uma assessora de Biden, uma veterana da administração Obama, Cecilia Muñoz confessou: “É empolgante e é assustador. Sentimos o peso da responsabilidade.” Acrescentando: “Para ser honesto, sentimo-nos um pouco: ‘Oh, meu Deus, e se eu não estiver à altura?’”
Biden e a vice-presidente Kamala Harris fizeram os seus respectivos juramentos pouco antes do meio-dia. Por essa altura, já os Trump tinham chegado à Florida. Donald Trump não fez qualquer menção a Joe Biden nas suas declarações à saída de Washington D.C.; e Joe Biden não mencionou Donald Trump durante o seu discurso inaugural.
Não ficou claro se os Trump se despediram dos quase cem funcionários permanentes da Casa Branca, aqueles que cuidam da residência. Kate Andersen Brower, autora de vários livros sobre as tradições da Casa Branca, revela que a equipa gostava de trabalhar para os Trump, uma família que raramente se divertia em conjunto e que não tinha gostos alimentares demasiado complicados. Brower adianta ainda que os Biden, que já conhecem parte destas pessoas do tempo de Obama, também se darão bem com as mesmas.
Mesmo que o mundo não estivesse tomado por uma pandemia, as famílias presidenciais têm direito a colchões novos, bem como a uma limpeza de chãos, paredes, cortinas, lustres e outros objectos decorativos. As fotografias de família foram tiradas umas e colocadas as novas, da família que entra, nem como os objectos pessoais, dos artigos de higiene às roupas. Esta mudança, chamada “transferência de famílias”, leva geralmente cerca de cinco horas. “Eu apelido-o de caos organizado”, diz Gary Walters, que passou 21 anos como principal mordomo da Casa Branca.
Entretanto, havia outras mudanças a ocorrer. Ao meio-dia, Biden herdou a conta @Potus no Twitter da equipe de Trump — embora o 45.º presidente, que foi banido do Twitter depois de ter incitado a insurreição no Capitólio. Quase ao mesmo tempo, o site da Casa Branca de Trump foi arquivado enquanto novas páginas eram carregadas pela equipa de Biden.
No final da tarde, Biden e a família estavam a caminho da Casa Branca, percorrendo o trajecto do Capitólio até à Avenida da Pensilvânia, altura em que os Bidens saíram das limusines e caminharam para cumprimentarem os repórteres e funcionários públicos que estavam na rua, incluindo o mayor de D.C., a democrata Muriel Bowser.
Caixas por abrir
O grupo atravessou os altos portões da Casa Branca. O casal parou na entrada, acenou aos repórteres e, às 15h52, entrou na residência. Esperando Biden numa sala adjacente à Sala Oval, havia duas bandejas repletas de biscoitos de chocolate, cada uma envolta em plástico com um selo presidencial dourado. Fotografias das primeiras horas da tomada de posse já tinham sido emolduradas e penduradas na Ala Oeste, incluindo imagens das dezenas de milhares de bandeiras dispostas no National Mall.
Ainda havia caixas de mudanças para serem abertas. Assistentes e funcionários tentavam descobrir quais eram de quem — durante a pandemia, muitos comunicaram principalmente ou totalmente por e-mail. Para aumentar o desafio, todos usavam máscaras, num reflexo das novas regras do novo inquilino da Casa Branca, já que na anterior administração o seu uso não era obrigatório.
Cedendo à tradição, Trump deixou uma carta manuscrita a Biden. Pouco depois das 17h, o presidente entrou na Sala Oval e sentou-se à secretária para assinar ordens executivas, revertendo algumas das decisões de Trump. Fotografias de família em molduras douradas foram expostas numa mesa atrás da secretária, onde Trump tinha as fotografias dos seus pais. Questionado sobre o que Trump escreveu, Biden respondeu que a nota era “muito generosa”, mas acrescentou que não revelaria o seu conteúdo até falar com o seu antecessor. Não é claro se e quando o fará.