Freguesias: a necessária lei de criação, extinção e modificação
É necessário não só corrigir rapidamente os erros grosseiros da reforma de 2013, como publicar, pelo menos, uma lei de criação, extinção e modificação de freguesias.
Portugal nunca teve uma lei geral de criação, extinção e modificação de autarquias locais, apesar de expressamente mencionada na Constituição (CRP). Diz o artigo 164.º, al. n) da Lei Fundamental que é da exclusiva competência da Assembleia da República (AR) a criação, extinção e modificação de autarquias locais e respectivo regime. Trata-se de matéria de reserva absoluta. Tal significa que, no Continente, só a AR pode legislar nesta matéria, aprovando a respectiva lei-quadro e criando, extinguindo e modificando autarquias locais em concreto.
Portugal teve apenas leis parcelares de criação de autarquias locais, estando em vigor actualmente apenas uma lei-quadro de criação de municípios (Lei n.º 142/85, de 18 de Novembro).
Até 2013, tivemos uma lei de criação de freguesias (Lei n.º 8/93, de 15 de Março) que foi revogada nesse ano para dar lugar a duas leis de reorganização, temporalmente datada, de municípios e freguesias. A Lei n.º 22/2012, de 30 de Maio, estabeleceu o regime jurídico da reorganização territorial autárquica e a Lei n.º 11-A/2013, de 28 de Janeiro, fixou, em concreto, o novo mapa das freguesias. Estas leis ordenaram a extinção facultativa de municípios e obrigatória de freguesias, dentro de curto prazo, a aplicar nas eleições de 2013, como sucedeu.
Fixemo-nos nas freguesias, pois os municípios permaneceram intocados. Fixemo-nos também apenas no Continente, pois estas leis não foram cumpridas nas Regiões Autónomas e Lisboa teve direito a uma lei especial.
As leis foram mal feitas a vários títulos, mas basta mencionar o facto de estabelecerem a extinção percentual de freguesias em cada município sem terem em conta a realidade do número de freguesias por município para determinar a reorganização. Não se teve em conta que havia municípios com muita população e poucas freguesias e, por outro lado, municípios com pouca população e grande número de freguesias. Acresce também que não se teve em conta que não havia correspondência entre a extensão do território dos municípios e o número das respectivas freguesias. O critério percentual era inapropriado e a própria lei viu-se na necessidade de restringir a obrigatoriedade de redução de freguesias apenas aos municípios com mais de quatro freguesias.
O resultado desta reforma que consistiu na extinção de freguesias não poderia, pois, ser bom e não foi, ainda que fosse razoável proceder a uma reforma do número de freguesias, pois havia largo número delas com um número demasiado baixo de habitantes. Torna-se, pois, necessário não só corrigir rapidamente os erros grosseiros da reforma de 2013, como publicar, pelo menos, uma lei de criação, extinção e modificação de freguesias.
O Governo enviou já para a Assembleia da República, no fim do ano de 2020, uma proposta de lei para a aprovação de uma lei-quadro relativa a freguesias. Independentemente de ela estar bem ou mal feita (e tem erros patentes), cabe agora à Assembleia da República, sob pena de continuar a não cumprir a Constituição, a tarefa de a aprovar, fazendo as modificações que considere necessárias e não invocando como escusa a proximidade de eleições locais no fim deste ano de 2021. Com efeito, a lei-quadro pode e deve ficar aprovada e a criação em concreto pode ter lugar depois das eleições, se não houver tempo para as criar com a distância temporal necessária. É inaceitável que haja uma lei-quadro de criação de municípios e não haja, pelo menos, uma lei-quadro para a criação de freguesias. Só a falta de respeito por estas tal pode justificar.