Isto é que vai uma crise: vacinar – como e a quem
As prioridades propostas para a vacinação em Portugal são contestáveis porque não respeitam as normas consensuais.
Nas patologias infeciosas sem terapêutica e que podem desencadear doença grave ou morte as vacinas são o melhor instrumento de prevenção em saúde pública. Assim, é natural que, nesta pandemia, a obtenção duma vacina tenha sido o primeiro objetivo de governos e profissionais de saúde. E que as multinacionais farmacêuticas, sem olhar a lucro ou perdas, tenham decidido colaborar e surgido, em tempo recorde, diferentes alternativas de vacinação. A Pfizer justificou esta intenção através de um dos seus administradores que, em entrevista, afirmou que a ordem para avançar sem olhar a custos tinha sido precedida da horrível visão desencadeada pelos numerosos contentores com cadáveres espalhados por Nova Iorque.
As patologias infeciosas distribuem-se diferentemente, e com riscos variáveis, pelos vários grupos etários. Assim, sabemos que a tosse convulsa e o sarampo, que podem ser mortais na criança, devem ser prevenidas vacinando antes do aparecimento destas infeções, bem como deverá ser administrada antes da idade fértil a vacina contra o papiloma ou que a vacina da gripe deverá ser aconselhada a todos os que têm mais de 65 anos. E também se sabe (ver distribuição etária de internamentos hospitalares, ocupação de cuidados intensivos e das mortes da Direção-Geral da Saúde) que este coronavírus é mais agressivo nos mais velhos a partir dos 70 anos e dramático nos mais de 80 provocando muitas vezes a morte.
Em todas as doenças com vacina existe sempre população vulnerável por ter outras patologias ou, ainda, alguma que deve ser vacinada porque, indiretamente, protege os mais vulneráveis (como é o caso dos funcionários dos lares ou das grávidas noutras situações), mas que não é alternativa aos grupos especificamente protegíveis, apenas complementar.
No início da pandemia surgiu uma inaceitável discriminação social dos mais idosos retirando-lhes a autonomia de decisão em relação ao direito de circulação e proibindo-a. Numa primeira fase, por risco de falência do SNS por previsível aumento dos casos a apoiar, contudo, não foi igualmente proibida a circulação dos mais novos com doenças previsivelmente com maior risco. Esta discriminação (e a das crianças confinadas por serem hipoteticamente consideradas maiores transmissoras da infeção) mantém-se até hoje nalgumas famílias e a perda de autonomia dos residentes dos lares, inclusive retirando-lhes o direito à circulação e ao contacto com os familiares, é uma atitude que viola gravemente os direitos humanos. Porém, esta feia discriminação social não tem nada a ver com esta norma de saúde pública – os mais velhos devem ser discriminados positivamente na vacinação da covid-19 por serem os mais vulneráveis.
Assim, as prioridades propostas para a vacinação em Portugal são contestáveis porque não respeitam as normas consensuais que atrás discriminei e é incompreensível que a justificação dos poderes públicos à contestação (tardia) da Ordem dos Médicos, e de outras personalidades médicas com elevada experiência e peso científico, se limite à afirmação de que derivam da decisão de uma comissão técnico-científica da Direção-Geral da Saúde (DGS) sem, contudo, haver referência à bibliografia consultada. A pouca argumentação apresentada é facilmente refutável.
Segundo bibliografia de referência, incluindo a da própria Pfizer, não é verdade que as vacinas sejam demonstradamente menos eficazes nos mais velhos e, mesmo que fosse verdade, apenas por extrapolação para a menor eficácia na gripe, o benefício ultrapassaria largamente este inconveniente. Por outro lado, a falta de representatividade relativa nos ensaios clínicos de população mais idosa é idêntica à de medicamentos que são habitualmente utilizados e com êxito. A introdução de forças de segurança antes dos mais velhos fecha as idiossincrasias portuguesas com chave de ouro. Quantos já estiveram em cuidados intensivos ou morreram?
A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico