A Torre Bela e o mostrengo
É notório, no caso concreto, o nexo de causalidade com um outro negócio que também é intenso e com traços oportunistas: o da colonização extensíssima do território com fins energéticos.
Uma vez conhecida a fuzilaria da Torre Bela ouviu-se, célere, o trovejar ministerial: o crime nada tinha a ver com os centros de produção eléctrica fotovoltaica previstos para aquele mesmo território!
Com a prepotência iluminada que o caracteriza, o ministro foi ainda mais longe: embora falando em inquéritos e participação ao Ministério Público, antecipou, quase representante de privados interesses, que as duas empresas energéticas nenhumas responsabilidades tinham na acção criminosa.
Poucas horas depois, o governante, aflito, foi obrigado a recuar em manobra desgovernada.
Agora, mantendo-se o intenso fluxo mediático, ensaia-se a minimização de estragos e a fuga às responsabilidades: que foi apenas um erro grosseiro, uma coincidência terrível, talvez mesmo um crime moral, ambiental e contra o bem-estar animal, mas em nada relacionado com a política energética baseada no dogma climático. Assim, sobrariam a cassação da licença de caça e a interrupção do Estudo de Impacte Ambiental (EIA) com o objectivo de o refazer porque, pasme-se, as condições ambientais objectivas estarão alteradas!?
No final, daqui a alguns meses de investigação, análise técnico-administrativa, e tramitação em instâncias judiciais, quem sabe, as centrais fotovoltaicas serão construídas no mesmo sítio ou noutro, lá perto, onde não haja animais de grande porte: apenas árvores, solos agricultáveis, paisagem rústica e alguns pássaros e bichos miúdos, tomados como pormenores fáceis, descartáveis, sem ruído.
Responsáveis, por detrás do banco de nevoeiro que se vai adensando, apenas uma se vislumbra: Isabel de Angola!
O acontecido poderia, e já não seria pouco, justificar-se com crimes desencadeados pela ganância e oportunismo de agentes que, actuando nestes circuitos baseados na caça organizada em herdades e coutos, vão muitíssimo além das tradições seculares, do turismo, da dinamização do mundo rural e das actividades ao ar livre: são um negócio internacional de carnes e exploração intensa da Natureza.
Mas é notório, no caso concreto, o nexo de causalidade com um outro negócio que também é intenso e com traços oportunistas: o da colonização extensíssima do território com fins energéticos.
É paradigmático do cisma climático que suporta o idealismo energético instalado que, mesmo várias organizações com militância ambiental e ecologista, ainda não tenham alcançado os impactos enormes que têm milhares de hectares de ocupação de solos nas linhas de cumeada em serranias um pouco por todo o país (eólicas), nas planícies do centro e sul do país (fotovoltaicas) e nos respectivos corredores de linhas de transporte.
A colecta massiva de energia solar nas fileiras eólica e fotovoltaica, obrigatoriamente dispersa no território e replicada em milhentos sítios nas mais variadas condições naturais, apresentando baixos rendimentos e altas intermitências, deficiências estruturais muito difíceis e onerosas de mitigar tecnologicamente, é um mostrengo energético sustentado por contribuintes e consumidores sacrificados no altar de São Carbono.
Estas fontes de energia renovável podem e devem ser aproveitadas, mas não da forma predatória instalada pelos poderosos interesses financeiros, energéticos e industriais. É que, na via imposta pelos dogmas institucionais dominantes na Europa, não resolverão o problema central energético e, quem sabe, também não o climático tomado como referência justificativa.
Não admitir que a carnificina de Torre Bela está correlacionada com a prevista central fotovoltaica, mas, apenas, pelo desvario de uns quantos homens e mulheres de armas, valentes empreendedores, seria o mesmo que dizer que My Lai e Wiriyamu não estavam correlacionados com as guerras coloniais respectivas.