Dez razões para que 2020 não seja um ano para esquecer
A chegada de uma pandemia ensombrou o virar da década e fez com que o mundo enfrentasse um período negro. Mas também houve uns vislumbres de luz: no mesmo ano em que ouvimos falar pela primeira vez do SARS-CoV-2, desenvolveu-se uma vacina em tempo recorde. Foi um ano de conquistas no desporto português e um ano de intensa produção científica. O P2 seleccionou dez momentos positivos de 2020.
Os avisos existiam, mas quase ninguém esperaria que 2020 se tornasse o ano em que um pequeno vírus percorreria o mundo e nos trocaria as voltas, impedindo-nos de estar próximos de quem gostamos e de fazermos a nossa vida “normal” — um adjectivo gasto pelo desejo de o recuperarmos. Começou por se manifestar na imprevisibilidade de uma pandemia que foi paralisando as economias de meio mundo, que nos fez ficar fechados em casa para não causar o colapso dos sistemas de saúde, com cuidados redobrados e com as máscaras e os desinfectantes a serem essenciais, quando finalmente se pôde sair de casa. Este coronavírus tirou (directamente) a vida a mais de 1,7 milhões de pessoas em todo o mundo, mais de 6000 delas em Portugal. Ao medo do vírus e da dor de ver alguém infectado juntou-se outro lado negro desta pandemia: o desemprego, a ansiedade, o isolamento, as teorias da conspiração, a pobreza. Houve famílias que se separaram para que se pudessem proteger, abraços que ficaram por dar. A história é conhecida e continua a desenrolar-se à nossa frente.
Foi um ano conturbado. Mas também teve boas notícias, mesmo que algumas delas sejam apenas o reverso dessa realidade mais negra. Foi o ano em que se desenvolveu a vacina mais rápida da história, um recorde conseguido no mesmo ano em que se ouviu falar pela primeira vez deste coronavírus. Foi o ano em que ficou a descoberto a boa vontade e a generosidade de quem saiu das suas casas para enfrentar o desconhecido e ajudar os outros — fosse a trabalhar na linha da frente ou em serviços essenciais, fosse para estender as mãos aos vizinhos ou a quem sofreu na pele os danos colaterais da pandemia. Houve menos poluição e os cientistas alertaram-nos que era assim que deveria ser sempre. O ano ficou marcado por fenómenos no céu — desde o cometa Neowise à “estrela de Belém” causada pela aproximação de Júpiter e Saturno. Foi um ano de conquistas no desporto português. Foi o ano da vitória de Joe Biden.
Mesmo que tenham existido anos “piores” — com guerras, recessões económicas e outras pandemias —, a maior parte de nós não estava viva para os testemunhar e, para muitos, este foi um ano para esquecer. Numa altura em que ser “negativo” passou a ser algo positivo, decidimos reunir alguns motivos para que 2020 não seja “para esquecer” (por inteiro, pelo menos). Estes dez temas seleccionados pelo P2 não pretendem ser levianos, nem eclipsar o lado negro do que se passou em 2020; também não correspondem a uma lista exaustiva de tudo o que de positivo aconteceu nos últimos meses. São tão-somente alguns dos momentos que cunharam um lado menos negativo de 2020, para nos lembrar que também existiram coisas boas num ano que virou o mundo do avesso.
1. A vacina mais rápida da história
É uma das boas notícias que vêm agarradas ao lado nocivo da pandemia: como a covid-19 é causada por um vírus que se transmite tão facilmente e resulta numa doença que pode ser perigosa e letal, a necessidade de uma vacina para travar a sua propagação foi evidente desde cedo. Muitas vezes foi até encarada como a solução para a pandemia, ainda que os cientistas tenham reiterado que não será uma chave milagrosa e que o vírus não desaparecerá logo. É importante, sim — mas não uma solução imediata.
A vacina da BioNTech/Pfizer foi a primeira a ser aprovada pela Comissão Europeia, a 21 de Dezembro, e dá luz verde para que a imunização comece em simultâneo nos 27 Estados-membros da União Europeia. Porém, tal não significa que nos veremos livres das máscaras, do distanciamento e dos desinfectantes assim tão cedo, porque não se sabe ainda se pessoas infectadas que foram vacinadas poderão transmitir o vírus a outras, explicava um dos responsáveis da Agência Europeia do Medicamento (EMA).
Antes da vacina da Pfizer, a candidata russa Sputnik V tinha sido aprovada pelas autoridades do país, mas gerou desconfiança na comunidade científica por ter sido autorizada antes de serem feitos testes em milhares de voluntários. À frente na “corrida” estão também as vacinas da Universidade de Oxford e da Astrazeneca, assim como a da Moderna — todas com níveis de eficácia promissores.
Esta foi uma batalha urgente. “Nunca progredimos tão depressa com qualquer outro agente infeccioso”, dizia à revista Nature a virologista Theodora Hatziioannou, da Universidade nova-iorquina Rockefeller. Como explicou em Setembro ao PÚBLICO o investigador Miguel Castanho (cientista no Instituto de Medicina Molecular, em Lisboa), “em média, desenvolver uma vacina demora 15 anos e nem sempre se conseguiu vacina”. “O recorde que temos até agora é de quatro anos”, recorda. Era o da vacina da papeira, uma das muitas desenvolvidas pelo cientista norte-americano Maurice Hilleman.
A revista Science considerou que o “desenvolvimento rápido de vacinas eficazes” contra a covid-19 era o grande avanço de 2020. “Nunca antes tantos concorrentes colaboraram de forma tão aberta e frequente, nunca antes tantos candidatos avançaram para testes de eficácia em grande escala, nunca antes governos, indústria, academia e organizações sem fins lucrativos gastaram tanto dinheiro, músculo e inteligência na mesma doença infecciosa em tão curto prazo”, escrevia um dos colaboradores da revista, Jon Cohen.
Segundo uma lista da Organização Mundial da Saúde (OMS) actualizada a 22 de Dezembro, são 233 as vacinas experimentais que foram e que estão a ser desenvolvidas ou testadas por todo o mundo, 11 delas na última fase dos ensaios clínicos. Entre elas, são vários os mecanismos usados para garantir imunidade contra este coronavírus, usando técnicas mais tradicionais ou outras mais inovadoras. Como escreve a Nature, foi “um ano extraordinário para a ciência”.
O Reino Unido começou já o seu programa de vacinação a 8 de Dezembro e uma britânica de 90 anos foi a primeira pessoa a receber a vacina (fora de ensaios clínicos) desenvolvida pela farmacêutica Pfizer e pela empresa BioNTech; a vacinação contra a covid-19 também já começou nos EUA e Canadá — e arranca hoje em Portugal.
2. Portugal tornou-se o maior produtor europeu de bicicletas
Ainda que o ano não tenha andado sobre rodas, o mesmo não se pode dizer do negócio das bicicletas. Em 2020, foi anunciado que Portugal foi o principal produtor de bicicletas da União Europeia no ano passado: foram 2,7 milhões de bicicletas que saíram das fábricas portuguesas, praticamente um quarto de toda a produção nos 27 Estados-membros (ao todo, foram fabricadas 11,5 milhões), segundo dados do Eurostat.
Portugal ficou à frente de Itália — que era antes o principal produtor de bicicletas —, Alemanha, Polónia e Países Baixos. Estes cinco países foram responsáveis pela produção de 70% de todos os velocípedes fabricados na UE em 2019. Portugal tinha sido já considerado o maior exportador de bicicletas da UE em 2016, mas foi a primeira vez que encabeçou a lista dos países que mais bicicletas produzem.
3. De olhos no céu
Num ano em que podia custar estar com os pés em terra, olhar para o céu pode ter sido uma boa escapatória da pandemia que assolou o planeta. Não é todos os anos que se pode ver um cometa, mas 2020 reservava uma agradável surpresa: o cometa gelado Neowise rasgou os céus em Julho e pôde ser visto a olho nu, ainda que de forma ténue — e fotografias do acontecimento não faltaram. Tal como este coronavírus, foi descoberto este ano. E, ao contrário do coronavírus, que deverá continuar presente, só voltará dos confins do nosso sistema solar para “visitar” a Terra daqui a uns 6800 anos. Em Julho e Agosto houve também chuvas de meteoros a sarapintar as noites de Verão.
Foi neste ano que os Estados Unidos recorreram pela primeira vez a uma empresa privada — a SpaceX, de Elon Musk — para pôr astronautas em órbita, levando-os até à Estação Espacial Internacional (ISS, que este ano celebrou 20 anos de presença humana contínua no espaço). Esta foi também a primeira vez em dez anos que um foguetão saiu de solo norte-americano rumo à ISS, dispensando as boleias da Rússia. Os dois astronautas convidados para a primeira experiência regressaram à Terra após dois meses em órbita e, em Novembro, a cápsula Dragon levaria quatro astronautas a bordo para uma missão oficial na estação espacial. A Dragon é o segundo aparelho capaz de levar humanos para a ISS, depois da cápsula russa Soiuz — utilizada ainda hoje, desde os tempos de exploração espacial soviética.
Em Outubro, a sonda Osiris-Rex da NASA conseguiu tocar no asteróide Benu para recolher amostras numa manobra “de toca e foge” — o contacto foi confirmado por sinais de rádio a cerca de 330 milhões de quilómetros de distância. “Escrevemos uma página da história”, reagia Dante Lauretta, chefe da missão. Como se trata de um asteróide primitivo com cerca de 500 metros de diâmetro, a sua poeira e areia na superfície podem dar pistas sobre a origem do nosso sistema solar há mais de 4500 milhões de anos.
Também a sonda chinesa Chang’e 5 regressou à Terra em Dezembro com amostras da superfície lunar — foram as primeiras desde a década de 1970 e a China tornou-se assim o terceiro país a conseguir amostras lunares, depois dos Estados Unidos e da União Soviética. Este foi o mais recente empreendimento do programa espacial chinês, que enviou o seu primeiro astronauta para o espaço em 2003 e que tem uma nave a caminho de Marte.
A meio de Dezembro houve mais um “presente” nos céus: os planetas Júpiter e Saturno puderam ser vistos “pertinho” um do outro — o mais próximo que estiveram desde 1623. A partir da Terra, foi possível observar os dois astros alinhados num único ponto brilhante — naquilo que o Observatório Astronómico de Lisboa (OAL) disse ser um “acontecimento astronomicamente muito especial” que parecia uma nova “Estrela de Belém”, por acontecer tão perto do dia de Natal. Ainda que as posições de Júpiter e Saturno se alinhem no céu de 20 em 20 anos, continuam com grande distância entre si; agora, foi “a passagem mais próxima dos últimos 400 anos”. Para ser ainda mais especial — se teve a sorte de não se deparar com o céu nublado —, a conjunção planetária coincidiu com o solstício de Inverno.
4. Parasitas nos Óscares
Em 92 anos de Óscares, o filme Parasitas foi o primeiro numa língua que não o inglês a ganhar o galardão de Melhor Filme, na cerimónia de Fevereiro deste ano — e foi também o filme mais premiado da noite, com quatro estatuetas douradas. Realizado pelo sul-coreano Bong Joon-Ho, a longa-metragem põe lado a lado uma família no limiar na pobreza e outra rica e privilegiada, evidenciando de forma negra as desigualdades entre classes sociais. Foi a segunda vez que o vencedor da Palma de Ouro em Cannes recebeu também a estatueta mais cobiçada de Hollywood.
Na senda do movimento de 2016, os Óscares estavam novamente a ser alvo de acusações por falta de diversidade étnica e de género, visível nos discursos da noite e também na hashtag #OscarsSoWhite. Este ano, não havia realizadoras nomeadas para a categoria de realização de longa-metragem de ficção e entre os actores nomeados só Cynthia Erivo não era branca. A vitória de Parasitas conseguiu dar novo fôlego à competição.
5. A eleição de Joe Biden
É certo que a derrota de Donald Trump foi uma má notícia para os seus apoiantes, mas foi também tida em vários pontos do globo como um fio de esperança num ano caótico — mais ainda num dos países mais afectados pela pandemia, com mais de 18 milhões de casos confirmados e mais de 330 mil mortes por covid-19. Os títulos foram-se ouvindo: que a eleição de Joe Biden era uma “boa notícia para o ambiente”, uma lufada de ar fresco para as minorias e para quem precisa de acesso a cuidados de saúde, “boa notícia” para os países que negoceiam com os Estados Unidos. Em suma, sinal de estabilidade.
A vitória de Joe Biden foi aclamada pela comunidade científica, que defende a necessidade de se lutar contra as alterações climáticas — Biden não só reverterá algumas das decisões da Administração Trump, como poderá tomar medidas mais agressivas para combater as emissões de CO2 e proteger o ambiente. Joe Biden prometeu que a luta contra a pandemia de covid-19 seria feita com base na ciência e que acabaria com a proibição de viagens para facilitar que cientistas estrangeiros e outras pessoas qualificadas possam ficar permanentemente nos Estados Unidos. No dia 4 de Novembro, um dia depois das eleições, foi formalizada a decisão de Trump de retirar os Estados Unidos do Acordo de Paris — decisão que deverá ser revertida por Joe Biden. Com este novo Presidente, espera-se também que os EUA voltem à Organização Mundial da Saúde (OMS).
Ao lado de Biden foi eleita Kamala Harris como vice-presidente. Por si só uma boa notícia e reflexo de mudança: é a primeira mulher a ser eleita para o segundo cargo mais importante nos Estados Unidos, a primeira mulher negra, a primeira pessoa de origem indiana, a primeira aluna de uma universidade negra neste cargo.
Numa América dividida, o mandato de Joe Biden será de esperança, mas também de desafios. No seu primeiro discurso como Presidente eleito, Biden disse que queria unir o país e prometeu “não ser um Presidente que divide, mas um que une”. “Vamos ser a nação que sabemos que podemos ser. Uma nação unida, uma nação fortalecida, uma nação curada.”
Nos seis estados em que Trump alegava fraude e tentava inverter o resultado dos votos, todos os eleitores do Colégio Eleitoral confirmaram que Biden fora o vencedor da eleição presidencial. Depois disso, o Presidente russo, Vladimir Putin, deu os parabéns a Joe Biden pela vitória, seguindo-se o Presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, e do México, Andrés Manuel López Obrador — o reconhecimento dos três presidentes deu-se após uma hesitação de seis semanas.
Durante os quatro anos de governação Trump, as relações dos Estados Unidos com o mundo mudaram drasticamente. Por cá, o primeiro-ministro, António Costa, dizia que “cada nova Administração dos Estados Unidos é uma oportunidade de recomeço e a visão de apoio do multilateralismo expressa pelo Presidente eleito augura um incremento e estreitamento das relações entre a União Europeia e os EUA”. O Presidente, Marcelo Rebelo de Sousa, mostrou “renovada esperança” na futura Administração Biden.
6. Um dos anos com mais produção científica
O número de estudos submetidos a revistas científicas aumentou “a pique” em 2020, refere a revista Nature, “talvez porque muitos investigadores tiveram de ficar em casa e acabaram por se centrar em escrever artigos, em vez de fazer ciência em laboratório”. De todo o material de investigação divulgado este ano, cerca de 4% foi dedicado ao coronavírus SARS-CoV-2 — foram mais de 100 mil artigos publicados sobre a pandemia em 2020. Numa fase inicial, os artigos eram dedicados sobretudo à propagação da doença, análises das hospitalizações ou métodos de diagnóstico. A partir de Maio abrandou o número de publicações sobre a disseminação da doença e começaram a surgir mais artigos sobre saúde mental e saúde pública.
Só nas revistas publicadas pela Elsevier foram submetidos mais 270 mil artigos do que no ano anterior (mais 58%), entre os meses de Fevereiro e Março. Essa subida foi ainda maior quando se atenta nos artigos sobre saúde e medicina: 92%.
A pandemia mudou também a forma como se divulgou ciência. Houve um aumento de artigos difundidos antes de ser feita a revisão por pares (sobre coronavírus foram mais de 30 mil) e, nos casos em que eram revistos, essas revisões foram mais rápidas, sobretudo quando o tema era covid-19. Ainda segundo a Nature, um estudo sobre 11 revistas científicas editadas na primeira metade deste ano mostrou que as investigações sobre covid-19 eram publicadas muito mais depressa do que o habitual, mas à custa do atraso de artigos sobre outros temas, cuja publicação demorava mais do que antes.
7. Desporto português nas alturas
Foi um ano de vitórias para o desporto português, a começar pelo ciclismo. O ciclista João Almeida liderou a classificação geral do Giro de Itália durante 15 dias e terminou a prova em quarto lugar, a melhor classificação de sempre de um ciclista português. O ciclista alcançou o recorde português de dias na liderança de uma “grande volta” e tornou-se o ciclista sub-23 que mais dias consecutivos vestiu de rosa na história do Giro: passou 15 das 21 etapas com a camisola rosa no corpo.
Já Rúben Guerreiro ficou conhecido como rei da categoria de montanha do Giro, um feito inédito no ciclismo português (nunca nenhum português o tinha conseguido em qualquer uma das grandes voltas) e triunfou na nona das 21 etapas. Terminou no 33.º lugar da geral. “Já não tinha nada nas pernas”, dizia então o ciclista de 26 anos, campeão português de estrada (2017), após a sua estreia no Giro.
A 22 de Novembro deste ano, Miguel Oliveira liderou do princípio ao fim uma corrida “solitária” e voou para a vitória “em casa” do GP de Portugal, terminando o Mundial de MotoGP em nono lugar. Antes disso, já tinha conquistado a pole position, recorde da pista e a volta mais rápida.
O piloto português António Félix da Costa sagrou-se também campeão mundial de Fórmula E, competição dedicada aos monolugares 100% eléctricos da FIA. Com um percurso de mais de duas décadas ligado ao automobilismo, o piloto acredita que Portugal é um país “pequeno, mas cheio de talento” — e “não só no futebol”.
Este ano foi também marcado pela melhor participação de Portugal em Europeus de judo da última década, com três medalhas conquistadas. A judoca portuguesa Telma Monteiro esteve perto de conquistar o sexto título europeu de judo e conseguiu a medalha de prata nos Europeus de Praga de Novembro. Na mesma competição, os judocas Jorge Fonseca e Rochele Nunes ganharam cada um uma medalha de bronze, uma estreia para os dois nos pódios europeus.
O canoísta português Fernando Pimenta atingiu em Setembro o marco das 100 medalhas conquistadas a nível internacional ao arrecadar uma medalha de ouro na prova de K1 5000 metros na Hungria — esta foi a terceira medalha de Pimenta nesta taça do mundo, após vencer o ouro em K1 1000 e K1 500. Também a canoísta Joana Vasconcelos conquistou a medalha de ouro do K1 500 metros no campeonato da Hungria, depois de ter conquistado uma medalha de bronze em K1 200.
8. Menos poluição, mais animais
Foram boas notícias, mas por pouco tempo. À medida que o coronavírus SARS-CoV-2 se espalhava pelo mundo, ia paralisando economias e rotinas: milhões de pessoas foram obrigadas a ficar em casa sem poderem sair de carro, o teletrabalho atingiu níveis nunca antes vistos, fecharam-se lojas, negócios e serviços públicos e foram proibidas aglomerações de pessoas. A mudança era visível: nas cidades que antes fervilhavam com gente, as ruas estavam desertas. Já em Maio se notava que o pico do confinamento da primeira vaga tinha gerado um efeito “extremo” nas emissões diárias globais de dióxido de carbono (CO2): chegaram a cair 17%.
Também o Instituto Nacional de Estatística (INE) confirmou que o travão a fundo na economia e a mudança de hábitos forçada pela pandemia resultaram numa “menor pressão sobre o ambiente”. Tudo isto levou a uma redução de emissões e a uma melhoria da qualidade do ar e há estimativas que apontam para o número de vidas que foram salvas directamente pela melhoria da qualidade do ar.
Ainda assim, os cientistas avisam que estas melhorias são temporárias e que são necessárias medidas estruturais para evitar que se volte aos níveis de poluição pré-pandemia. A utilização de material descartável aumentou, foram atingidos máximos de temperatura, é possível que os hábitos de reciclagem tenham recuado e a Organização Meteorológica Mundial avisa que a concentração de dióxido de carbono na atmosfera continuou a aumentar apesar do confinamento.
Com menos humanos nas ruas durante o primeiro confinamento, os animais sentiram permissão para passear nelas, em busca de comida ou a explorar o espaço: foram avistados patos nas fontes de Roma, peixes nos canais de Veneza, javalis nos passeios de Barcelona ou pavões no centro de Madrid. “Este silêncio geral que reina nas nossas cidades põe os animais mais à vontade. E eles andam em busca de alimento”, explicava ao PÚBLICO o presidente do Fundo para a Protecção dos Animais Selvagens (FAPAS), Nuno Oliveira, assegurando que o fenómeno não era novo e que não havia “qualquer risco nem para os animais, nem para as pessoas”. Com os humanos confinados, até o canto das aves melhorou, segundo um estudo publicado na revista Science.
9. Cultura em directo, mas não ao vivo
Outra das consequências da pandemia foi o cancelamento de peças de teatro, exposições, concertos, cinemas, apresentações e todo o tipo de espectáculos ao vivo — afectando gravemente todo o sector da cultura e os que dela dependem. Para colmatar a falta de cultura que antes chegava em doses regulares, muitos foram os artistas que procuraram formas de a contornar. Um exemplo é o do humorista Bruno Nogueira, que começou a fazer directos no Instagram para fazer companhia aos seus seguidores em tempo de confinamento — convidando outras figuras públicas a cada emissão e conseguindo 100 mil seguidores na despedida do programa Como É Que o Bicho Mexe (entretanto, “o Bicho” voltou).
Houve apresentações e conferências que migraram para plataformas online e os concertos começaram a ser feitos em directo para as redes sociais, incluindo na página dos artistas ou através do Festival Eu Fico em Casa. Os serviços de streaming ganharam terreno durante o confinamento e houve também quem disponibilizasse online filmes e peças de teatro, como a Medeia Filmes e o Teatro D. Maria II. Agora, há quem defenda que o futuro dos espectáculos ao vivo passa por um fenómeno híbrido, combinando o espectáculo e a transmissão em directo para quem queira ver a partir de casa.
10. Uma pandemia de bondade
Enquanto se pedia a todos os cidadãos que ficassem em casa e se redobravam os cuidados para grupos de risco (incluindo idosos e pessoas com outras complicações de saúde), havia também quem se voluntariasse para sair à rua — não por si, mas pelos outros. Foram-se multiplicando os grupos de empatia entre vizinhos e associações e surgiram mensagens de pessoas que estavam dispostas a fazer compras aos vizinhos ou a quem precisasse, para que estes não tivessem de sair de casa. Em vez de bilhetes a pedir para deixar a porta do prédio fechada, começaram a surgir bilhetes a oferecer ajuda. Ofereciam-se para ir à farmácia ou ao supermercado por eles, levando os bens a casa, ou ofereciam tão-somente uma palavra amiga para combater o isolamento.
Também as freguesias e os municípios se uniram para prestar auxílio aos grupos mais vulneráveis. Quando havia escassez de equipamentos de protecção, foram distribuídas máscaras fabricadas em casa e até fabricantes de cerveja passaram a produzir álcool-gel. Houve quem preparasse refeições para quem não as tivesse e as escolas públicas continuaram a servir refeições a alunos carenciados.
Em Novembro, a União Audiovisual — um grupo informal criado para ajudar os trabalhadores do sector da cultura afectados pela paralisação imposta pela pandemia — informava que estava a dar apoio mensal a cerca de 250 famílias, incluindo técnicos de som, trabalhadores de espectáculo, artistas de teatro ou cabeleireiras de programas de televisão e de cinema. Os grupos de voluntariado também se foram adaptando à realidade pandémica e houve até uma campanha de voluntariado para dar apoio aos idosos que vivem em lares.