Não queremos mais habitação social de baixo custo em guetos
Em matéria de habitação, as necessidades do país são profundamente assimétricas.
Depois de cinco anos de governação durante os quais a apregoada “Nova Geração de Políticas de Habitação” não saiu do papel, começa a vislumbrar-se o que poderá vir por aí em matéria de habitação, quando (e se) a “bazuca” do Plano de Recuperação e Resiliência chegar aos cofres do Estado.
O Governo deveria apresentar um Programa Nacional de Habitação na Assembleia da República. Era obrigado a fazê-lo, tanto pela Lei de Bases da Habitação como pelo mais elementar bom senso. Não o fez. Pediu a cada concelho que aprovasse Estratégias Locais de Habitação nas Assembleias Municipais. Neste momento, uma vez que não existe política nacional de habitação, o Governo começou a distribuir dinheiro às primeiras Estratégias Locais de Habitação que foram chegando ao Terreiro do Paço.
Até ao momento, receberam apoio do Programa 1.º Direito dois concelhos, Arruda dos Vinhos e Lisboa. O critério de distribuição foi “quem chega primeiro, recebe primeiro”, e assim continuará a ser enquanto houver dinheiro para distribuir. Em matéria de política de habitação, este critério não podia ser mais errado.
Em matéria de habitação, as necessidades do país são profundamente assimétricas. Os concelhos não arrancam do mesmo ponto de partida. Por um lado, temos concelhos onde existe uma classe média que procura fixar-se, enfrentando valores médios de compra de 3000 euros por metro quadrado. Por outro lado, temos concelhos que mesmo oferecendo habitação gratuita têm dificuldade em fixar pessoas porque enfrentam a ausência de oportunidades de emprego. A tão ambicionada “coesão territorial” só se irá algum dia atingir com um duplo eixo de estratégias: mais habitação para onde há mais oferta de emprego, mais empresas e instituições públicas para onde há mais oferta de habitação.
Os concelhos com grande procura de habitação têm um mercado capaz de captar investimento para construir habitação para a classe média. Nestes, ainda há concelhos com dezenas de edifícios públicos devolutos aptos a cumprir a função social da habitação para quem precisa, apresentando condições ideais para montar estratégias que se pagam sem subsídios a fundo perdido. Quando muito, estes concelhos precisam de empréstimos para cobrir o custo da reabilitação dos edifícios, servindo as rendas condicionadas cobradas para cobrir o valor das prestações do empréstimo. Precisam ainda de reduzir os custos de contexto que afastam o investimento, particularmente a burocracia dos licenciamentos onde se chega a demorar entre dois a cinco anos para licenciar projetos de habitação necessários.
Os concelhos sem procura de habitação que atraia o mercado, sem propriedades públicas e sem capacidade de endividamento, mas com problemas sociais graves e crescentes têm mais dificuldades. Há ainda pessoas que vivem sem acesso a água, esgotos ou eletricidade. Há ainda pessoas que, nas zonas frias do país, literalmente morrem de frio pela falta de qualidade das construções associada ao elevado valor da fatura energética. Estes são os concelhos que precisam urgentemente de apoios a fundo perdido, particularmente quando o custo por metro quadrado da propriedade vale tanto, ou menos, do que o custo por metro quadrado das obras de reconstrução necessárias para as pessoas viverem com dignidade.
Esta semana perguntei ao ministro Pedro Nuno Santos quanto seria o valor total necessário para responder às carências identificadas nas Estratégias Locais já aprovadas pelos respetivos concelhos. Respondeu (cito) “é o que for”. Perguntei qual era o modelo de política de habitação que o ministro seguia, considerando as mais diversas experiências implementadas no terreno em Portugal ao longo de mais de 100 anos de políticas de habitação. Respondeu (cito) “vamos fazer o que nunca foi feito”. Este é o ministro que irá gerir o maior apoio de sempre da UE em matéria de habitação que poderá chegar até aos três mil milhões. Pergunto-vos se dariam 1000 euros que fossem para fazer “o que nunca foi feito”, quando vos dizem que o total necessário “é o que for”?
Acima de tudo não queremos que se consumam os três mil milhões a construir mais habitação social de baixo custo em guetos. Queremos a reabilitação dos edifícios existentes. Queremos estratégias sociais de habitação integradas nos núcleos urbanos existentes, inclusivas, promotoras de equidade e de uma verdadeira mobilidade social. Como este Governo não tem qualquer estratégia nacional de habitação, a responsabilidade está nas mãos dos nossos autarcas. Sendo 2021 um ano de eleições autárquicas, a responsabilidade está nas mãos de quem irá votar. Votem bem.