Política
Apesar de todos os limites ultrapassados no falhanço do sistema neoliberal, o capital político de Pedro Passos Coelho não diminuiu desde a sua saída de cena.
O tribalismo irracional atinge patamares elevados entre uma parte da esquerda e direita sempre que a figura de Pedro Passos Coelho volta a surgir no panorama. Por um lado, o argumento sem sentido que o ex-primeiro ministro é passado na política e não pode ser futuro quando foi o candidato mais votado nas legislativas de 2015. Por outro, os que à direita não entendem que o seu capital político está intrinsecamente ligado a questões de caráter e coragem, ao invés das ideológicas.
Se o caráter é algo pessoal e intransmissível que nem sempre abona e faz falta na política, a obstinação ideológica para quem tem poder e governa hoje é o seu oposto. Em especial, se essa ideologia falhou no seu propósito maior e dificilmente vai ao encontro das necessidades dos tempos atuais e futuros. Parece-me ser muito por aqui que interessa perceber um eventual regresso de Passos Coelho à política, tal como uma parte da sua intervenção relacionada com Portugal e a União Europeia, na qual é certeiro no diagnóstico e acutilante nas razões do nosso atraso, mas pouco claro no caminho a prosseguir. Facilmente, comungo da sua irritação com um passado recente em que demasiados políticos em Portugal, mas também de outros Estados-membros, culpavam a União Europeia por tudo e mais alguma coisa quando a Europa nunca deixou de ser a razão maior do nosso desenvolvimento. Muito distinto disto é a sua leitura de alguns casos concretos e de um facto incontornável que influencia todos eles: o neoliberalismo falhou em Portugal, como no resto da Europa. A receita estanque e encomendada para cada país, como se não tivessem especificidades e o sul fosse igual ao norte, perdeu espaço como se viu pela Grécia, Espanha, Itália, França e Finlândia. Por mais que a via reformista e um Estado melhor e mais eficiente deva ser a base de qualquer propósito político em Portugal, não se pode ignorar o país como um todo. Julgo que não será o caso, mas quem analisa como causa exclusiva a megalomania e o desgoverno em que caiu José Sócrates e ignora as consequências da receita europeia à crise global espoletada em 2007-08 dificilmente entenderá as nuances aqui.
Consigo compreender que, num tempo excecional, Pedro Passos Coelho tenha ficado refém desta agenda neoliberal da Europa e que em certos momentos, conforme prometido, tenha mesmo procurado ir para além da troika. Qualquer sinal num extremo contrário teria sido bem mais prejudicial, como se viu na Grécia. No entanto, o que interessará perceber amanhã é se o neoliberalismo exacerbado em PPC se deveu realmente a uma crença desses tempos excecionais ou não. É que referir que Portugal tem de ganhar escala e transcender os seus desígnios globais através de empresas com maior dimensão e ambição que empreguem centenas de pessoas, sem mencionar o Estado, soa bem, mas vive da mesma fantasia que alguma da esquerda noutros campos. Sobretudo, quando se percebeu que um país mais competitivo na esfera internacional através de start-ups PMEs ou de Lisboa como uma espécie de silicon valley europeia não passava de outra utopia.
Numa altura em que começam a surgir cada vez mais pessoas com carências alimentares graves e as empresas e associações não conseguem acorrer a tudo, convém que não se ignore a relevância de um Estado social futuro. A crise sanitária e humana também destapa os olhos de quem quer ver claro e a importância dos serviços públicos. Não é por acaso que os países onde os sistemas nacionais de saúde mais rapidamente colapsaram ou pior funcionam sejam também aqueles em que menos se investiu (camas de hospital, condições salariais precárias de alguns funcionários da área, etc.) nos últimos anos. Significaram um maior número de mortes com covid-19 e também de outras doenças. Haverá quem, como eu, encontre também aí a necessidade transversal de um equilíbrio entre serviços públicos e privados. A social democracia é isso mesmo.
Apesar de todos os limites ultrapassados no falhanço do sistema neoliberal, o capital político de Pedro Passos Coelho não diminuiu desde a sua saída de cena. Justamente. De uma gestão inteligente do silêncio ao caráter que demonstra, PPC pouco alinhou nas politiquices que demasiadas vezes poluem o debate ou a ação política. O que está menos claro é se dessa ação hoje ou amanhã dependerá a ideologia de ontem ou se a seguiu porque governou quase sempre sob a intervenção da troika. Se depender dela e com mais ou menos crise, dificilmente o seu regresso atenuará o que seja no espaço do PSD. O partido voltará ao caminho da descaraterização completa em nome de uma agenda e ideologia que fazem menos sentido do que nunca.
Deixando-as cair, é o melhor candidato a qualquer cargo político no país para o centro e a direita.
(Como alguém dizia, bom natal sem natal.)
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico