Por uma polícia constitucional
Seria bom saber o que os candidatos às eleições presidenciais defendem quanto à constitucionalidade de corpos policiais como a GNR e a Polícia Marítima, as quais, configuradas como Forças de Segurança, são militarizadas – estatuto que, em termos da função exercida, contraria frontalmente a Constituição.
1. Os recentes acontecimentos envolvendo o SEF espoletaram com mais vivacidade a problemática da polícia portuguesa e serviços a esta ligados. O assunto densificou-se com as declarações do sr. Presidente da República (PR) equacionando a eventual extinção do SEF. As funções seriam exercidas pela PJ, enquanto a vigilância das fronteiras ficaria a cargo da PSP e da GNR. Mais recentemente, o sr. diretor nacional da PSP (DNPSP), numa audiência ao sr. PR, veio noticiar estar em curso a criação de uma Polícia Nacional, a qual integraria a PSP e o SEF, declaração esta que seria posta em causa pelo sr. ministro da Administração Interna (MAI), por o anúncio de uma remodelação dessa envergadura não caber a um diretor de polícia.
Deste imbróglio, a única coisa que se pode dizer é que em casa onde falta pão, todos brigam e ninguém tem razão. Só que no caso concreto, ninguém parece ter razão, apesar de não faltarem organizações policiais.
É espantoso como um caso envolvendo o SEF que ocorreu há cerca de nove meses gere, só agora, um tão grande rebuliço no domínio Polícia, a ponto de se suscitar, sem mais, a extinção de um serviço, sob anúncio de instâncias responsáveis desde o PR, passando pelo envolvimento do DNPSP – tudo isto, sem que ainda se saiba o desfecho do caso, ora em julgamento!
A relevância do assunto torna-se ainda mais candente se tivermos em conta que os SEF são um serviço de polícia que controla as entradas e saídas de pessoas do país, o que não deixa de gerar uma certa apreensão numa altura em que Portugal irá assumir a Presidência do Conselho da UE já em janeiro de 2021.
2. A problemática de organização de Forças e Serviços de Segurança (FSS) em Portugal, quando a mesma se colocar com a devida seriedade, não será tarefa fácil. A questão de pulverização de corpos de polícia para um país pequeno como o nosso não é de hoje. Muito já se tem escrito e divulgado sobre a questão. É só consultar as múltiplas iniciativas dos respetivos sindicatos e associações profissionais, tanto de polícia como militares. Porém, interesses de vária ordem, entre os quais se destacam, a detenção e o exercício do poder, os compromissos assumidos ante instâncias, organismos algo comprometidos, a sua direção e controlo pelo sector militar, têm impedido que se encetem esforços para se alcançar uma solução que seja de verdadeiro interesse nacional conformado constitucionalmente. Porém, ao que parece, o objetivo de manter as coisas tal como estão bate certo com a mentalidade dos que optam pela manutenção das coisas porque funcionam; pouco importando saber se vale a pena ou não.
É assim que as soluções surgem de forma repentina, como é o caso do SEF, pouco ou nada se avançando numa análise mais aprofundada do problema indagando se afinal toda a orgânica policial carece, não de uma política de tapa-furos, mas de uma inovação integral conforme com a Constituição da República Portuguesa (CRP). Quanto a nós, deve valer a 2.ª opção.
3. Como ponto de partida, importa sublinhar que se de unificação de policia se trata, há que atender que esta pode revestir diversos formatos – de fusão, justaposição, integração e inovação, podendo estas ser de aplicação isolada, parcelar, conjunta ou mesmo única.
Tendo em conta a realidade do nosso país, expressa na CRP, importa ter em conta que nenhuma unificação poderá ser levada a cabo sem que, num plano imediato, seja assegurado o estatuto civil dos corpos policiais, nomeadamente da GNR e da Polícia Marítima.
A não ser assim, continuarão a existir rivalidades em matéria de duplicação de serviço, de atribuições, de funções e de competências ou a “vã gloria de mandar”, como foi recentemente palco o caso do navio adquirido pelo Estado para a GNR, gerando nomeadamente crítica por parte de oficiais da Armada e a publicação de um artigo de opinião por parte do sr. ministro da Defesa Nacional.
Numa altura em que se inicia a campanha para as presidenciais e a Presidência Portuguesa do Conselho da UE, seria interessante conhecer a posição dos candidatos, quais guardiões dos valores que a CRP integra e impõe, com particular destaque ao PR, também candidato, que teve muitos anos para se debruçar sobre a temática.
É mesmo bom saber o que os candidatos defendem quanto à constitucionalidade de corpos policiais como a GNR e a Polícia Marítima, as quais, configuradas como Forças de Segurança, são militarizadas - estatuto que, em termos da função exercida, contraria frontalmente o artigo 272.º da CRP.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico