Doença misteriosa na Índia leva à hospitalização de 500 pessoas
As toxinas encontradas nas amostras de sangue incluem chumbo e níquel. Organocloreto, encontrado normalmente em pesticidas, também foi dectectado em algumas amostras de água da região de Eluru, no estado de Andhra Pradesh.
Kasapu Jagadheeshwar Rao levanta-se cedo na maioria das manhãs para visitar o templo, mas, no domingo, quando começava a seguir o ritual de se banhar na estátua da divindade, começou a ficar com a visão turva, desmaiando. Não se lembra das três horas que se seguiram, até acordar no hospital. Mais de 500 pessoas foram hospitalizadas este mês no Sul da Índia, afectados por uma doença misteriosa que provoca perda de consciência, convulsões e vómitos. Muitos reportam perda de memória temporária e dores musculares nas costas ou pescoço.
Os casos deram-se na cidade de Eluru, no estado de Andhra Pradesh, na costa sudeste do país, provocando alarme sobre um novo tipo de surto, num momento em que a pandemia do novo coronavírus continua descontrolada no país. Permanecem hospitalizadas cerca de 75 pessoas, registando-se a morte de um paciente que sofreu uma queda durante o tratamento.
Agora, registos médicos preliminares oferecem uma pista para a origem da doença — não relacionada com o novo coronavírus. “O que foi estabelecido pelos especialistas é que este é um caso de intoxicação aguda por toxinas. Não é de natureza crónica”, explicou Himanshu Shukla, um responsável distrital. “É tudo o que sabemos por agora”, concluiu.
Perplexos com a natureza peculiar da doença e o elevado número de pacientes, responsáveis de saúde local apressaram-se a testar a água, leite, vegetais e recolher amostras de peixe para identificar a origem possível da doença. Equipas da Organização Mundial da Saúde (OMS), biólogos moleculares, virologistas e nutricionistas também colaboram nas investigações.
As toxinas encontradas nas amostras de sangue dos pacientes incluem chumbo e níquel, mas não é claro de onde provêm. Organocloreto, encontrado normalmente em pesticidas, também foi detectado em algumas amostras de águas testadas.
A indústria é uma das principais fontes de poluição da água e do ar na Índia, e os acidentes não são incomuns. Em Maio, uma fuga de gás tóxico de uma central química matou 11 pessoas e afectou centenas na cidade portuária de Visakhapatnam, no mesmo estado. A Índia teve também o pior desastre industrial em todo o mundo, no ano de 1984, quando uma fuga de gás na cidade de Bhopal matou milhares de pessoas.
Quanto os primeiros pacientes começaram a chegar ao hospital público de Eluru na noite de sábado, muitos estavam em pânico, relembra o superintendente A.V.R. Mohan. Na manhã seguinte, o número de pacientes tinha disparado.
Mohan pediu imediatamente aos hospitais próximos para acolherem os pacientes que davam entrada em grande número. “A maioria recuperou em 24 horas. Foi dado tratamento antiepiléptico e antiemético”, afirmou, acrescentando que muitos dos pacientes apresentavam trauma psicológico.
A situação está agora sob controlo, garante Shukla, o responsável estatal. “Esta é uma epidemia focalizada. O que aconteceu foi num dia em particular e algumas pessoas foram afectadas. O número de novos pacientes desceu”, finalizou.
Na quarta-feira, apenas 16 pacientes deram entrada no hospital com os sintomas característicos, uma fracção dos números de dias anteriores. Para monitorizar aqueles que recuperaram e detectar novos pacientes, a administração distrital ergueu 80 campos médicos na região. Alguns pacientes tiveram convulsões após receberem alta médica, disse Mohan.
A doença atingiu Teku Venkateshwar Rao repentinamente e sem aviso. O homem, com 38 anos, que ganha a vida a passar a ferro, sofreu uma crise de epilepsia na manhã de sábado. “Ele gritava”, relembra a mulher, Teku Varalakshmi. “Estava muito assustada, ele nunca tinha sofrido de epilepsia ou convulsões”, acrescenta.
Medo e confusão ainda assombram a família de Jagadheeshwar Rao, um homem de 56 anos que desmaiou no templo. Dois dias após ter recebido alta médica, Rao, que gere uma loja de reparação de bicicletas, ainda se sentia fraco. “Agora sinto-me um pouco melhor, mas os meus níveis de energias caíram após a doença”, disse.
Apesar de acreditar que a doença misteriosa poderá ter relação com o novo coronavírus, Rao joga pelo seguro, tendo decidido parar de beber a água disponibilizada pelo município.