Vale a pena confiar na Ciência
A vacina para a SARS-CoV-2 não começou a ser desenvolvida no início do ano, mas sim há cerca de 15 anos quando se identificou o antigénio que deve ser usado nas vacinas para a família de vírus SARS. O êxito de que hoje somos beneficiários é, na verdade, o resultado de múltiplos progressos científicos e tecnológicos, e de um investimento continuado e persistente de muitos investigadores no mundo inteiro.
Num tempo em que ainda domina a incerteza em relação ao futuro, agora mais conscientes da nossa própria vulnerabilidade, ansiamos por soluções que nos permitam recuperar rapidamente a desejada normalidade. Como habitualmente, a ciência interpretou a emergência e correspondeu da melhor forma às expectativas, apoiada num intenso esforço colaborativo da comunidade científica, a que se associou o investimento dos Estados e da indústria farmacêutica.
Em toda a dinâmica de investigação em resposta à pandemia, importa reconhecer um propósito do bem comum, matriz da ciência e agenda inspiradora da investigação científica na procura das soluções para benefício coletivo. É também esta virtude que faz com que a ciência e a investigação continuem a seduzir e a entusiasmar crianças, jovens e adultos de um modo singular. A curiosidade, o conhecimento, a procura de soluções para os problemas, o confronto de ideias, a liberdade e a audácia do pensamento, são alicerces da atividade científica, que assim cativa e desperta num encantamento incomparável.
No atual contexto de crise sanitária global e colapso social e económico a que se assiste no mundo, a ciência oferece a esperança de um retorno à ambicionada normalidade. No entanto, apesar da resposta positiva da comunidade científica e da confiança que os cidadãos têm na ciência, percebe-se um receio frequente em relação à qualidade e à segurança das vacinas. Não há dúvida que o empenho e trabalho desenvolvido pela comunidade científica tem sido absolutamente extraordinário, tendo permitido desenvolver uma vacina em tempo recorde. Porém, esta surpreendente rapidez, a par da excessiva politização do tema junto da opinião pública, fomentou naturalmente a suspeita e o medo. Importa, no entanto, sublinhar, que a vacina para a SARS-CoV-2 não começou a ser desenvolvida no início do ano, mas sim há cerca de 15 anos quando se identificou o antigénio que deve ser usado nas vacinas para a família de vírus SARS. O êxito de que hoje somos beneficiários é, na verdade, o resultado de múltiplos progressos científicos e tecnológicos, e de um investimento continuado e persistente de muitos investigadores no mundo inteiro.
Propaga-se a dúvida sobre a eficácia das vacinas, sobretudo pela forma como os esclarecimentos são prestados às pessoas – na profusão de mensagens nos diversos media e tantas vezes em circuitos tecnicamente impreparados, e pela forma como os responsáveis políticos se apropriam da intervenção pública. Parece evidente que houve uma simplificação de procedimentos burocráticos inerentes ao processo de avaliação das vacinas, mas nada comprometerá o rigor e a segurança. Em Portugal, a dúvida e o receio passam ainda pela logística associada ao processo de vacinação, o que é tanto mais natural quando todos percebemos que correu mal uma rotina instalada há anos para a vacinação contra a gripe.
Mas vale a pena confiar na ciência e na resposta que esta vai dar à atual pandemia através da vacina e de novas terapêuticas que acabarão por surgir. Vários virologistas têm afirmado que o vírus SARS-COV-2 não vai desaparecer e que vamos ter que viver com ele para sempre. A única forma de nos protegermos e regressarmos à desejada normalidade será mesmo alcançando a imunidade de grupo, o que significará atingir a imunidade em 60 a 80% da população mundial, através da vacinação, com soluções de distribuição inclusiva e global. É por isso fundamental e urgente apostar na convergência de entendimentos e compromissos para benefício de todas as populações do mundo.
A ciência apoia a decisão desenvolvendo as soluções, mas é indispensável um diálogo constante entre a ciência e a sociedade, no sentido da construção dos fundamentos necessários à decisão, em particular face à incerteza e ao risco. À sociedade cumpre exigir da ciência, o que será tanto mais produtivo quanto maior o conhecimento e o diálogo. A sociedade com maior perceção do risco e com mais conhecimento é também a mais preparada para influenciar as decisões políticas que lhe dão resposta.
A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico