Decrescer

Através da redução da produção, será possível reduzir a procura energética e, consequentemente, a pressão sobre os recursos da Terra. E assim poupar-se-ão lugares que prezam o contacto com a Natureza de um dia verem às suas portas centrais e minas.

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Paulo Pimenta

Há alguns meses, ao ir de visita à minha terra, no Ribatejo, deparei-me com a instalação de uma central fotovoltaica à entrada da povoação. Já sabia da sua construção, vira como haviam sido derrubados hectares de oliveiras sob as quais era habitual ver os touros estirados à sombra, nos meses quentes de Verão, e antes disso vira o projecto, anunciado publicamente. Não foi uma surpresa. Mas não pude deixar de olhar para a central com tristeza. Porque nela está mais do que a alternativa aos combustíveis fósseis para a produção energética. Está a avidez do sistema capitalista.

Em Outubro, a RTP emitiu um documentário que questiona a eficácia das chamadas “energias verdes” na resolução das alterações climáticas: “O lado negro das energias verdes”. O documentário expõe o que diversas organizações não-governamentais repetem há anos: o ritmo de crescimento das sociedades contemporâneas é insustentável para o planeta, mesmo que os combustíveis fósseis sejam substituídos por fontes de energia renovável. Mas o documentário vai mais longe, afirmando que, na realidade, não existem energias renováveis, que todo esse conceito é uma grande falácia, na medida em que a construção de geradores de energia continua dependente de matérias-primas finitas. Exemplo disso são as baterias, constituídas por lítio ou outros minerais, cuja exploração só é possível através da mineração, grande parte dela a céu aberto e com consequências nefastas para os ecossistemas naturais e as populações. E a procura por lítio, em particular, é cada vez maior, ao ponto de ter colocado Portugal no mapa de possibilidades para a extracção desse minério. Mas há mais demandas alarmantes.

Segundo Olivier Vidal, investigador na Universidade de Grenoble, em França, se se mantiver o ritmo de crescimento actual, nos próximos 30 anos teremos de transformar a mesma quantidade de cobre que foi produzida desde o início da humanidade até agora, entre 800 a mil milhões de toneladas. Na União Europeia, também se tem vindo a verificar um crescimento da procura por energia da biomassa, apontada como fonte de energia renovável, mas à custa do abate de florestas, cujas árvores deveriam permanecer nos solos, tendo em conta que são elas as responsáveis pela formação de chuva e pela retenção da água que gerará aquíferos — e a água já é um dos recursos do planeta mais disputados, sendo que todas as medidas para a preservar são necessárias.

Como os níveis de produção e consumo estão desajustados dos ciclos do planeta, a produção de “energias verdes” não é suficiente para dar resposta à procura, sendo ainda necessário manter a produção de combustíveis fósseis, nomeadamente o carvão, que verifica o crescimento mais acentuado nos últimos anos, com previsões de aumentar na próxima década. Claramente não estamos a rumar no sentido da preservação da Terra.

Não me oponho à adopção das “energias verdes”, de facto podem contribuir significativamente para atenuar as alterações climáticas. Mas, para isso, à transição energética deverá aliar-se a redução da produção e a promoção da economia circular. Evocando o conceito dos três Rs – Reduzir, Reutilizar e Reciclar – falta consolidar o primeiro R. É necessário reduzir o número de automóveis em circulação nas estradas, reduzir o número de voos comerciais realizado, reduzir o consumo de produtos como o plástico, a carne e a tecnologia. Mas o mais importante é reduzir a produção, pois ou se produz mais do que se consome, como revelam os níveis de desperdício alimentar em todo o mundo, ou se produzem produtos que ficam obsoletos num curto espaço de tempo, como passou a acontecer em particular com a tecnologia, em que um computador ou um telemóvel deixou de durar cinco anos, ou mais, para durar, no máximo, dois anos.

Através da redução da produção, será possível reduzir a demanda energética e, consequentemente, a pressão sobre os recursos da Terra. E assim poupar-se-ão lugares tradicionalmente rurais e que prezam o contacto com a Natureza, como a minha terra ou terras como Montalegre, Argemela ou Serra d’Arga, de um dia verem às suas portas centrais e minas para que as grandes cidades e as grandes indústrias, bem distantes, possam afirmar-se “verdes” de peito cheio, sem terem de lidar de perto com os impactos negativos provocados pela economia extractivista, enquanto mantêm um ritmo desenfreado de produção e uma lógica de consumo selvagem. Em nome disso, secam-se rios e aquíferos, abatem-se florestas, esventram-se montanhas, destroem-se habitats naturais e perseguem-se comunidades. É esta a avidez do capitalismo.

Em Março, durante o primeiro confinamento, foi possível perceber como é fundamental reduzir drasticamente a produção mundial e mudar de forma profunda o nosso estilo de vida para abrandar a poluição. Foram menos 9,6 milhões de toneladas de CO2 a ser emitidas para a atmosfera. Ainda assim, os níveis de poluição são tão nefastos para o planeta que a redução de emissões de CO2 durante os meses de confinamento foi praticamente insignificante para o abrandamento das alterações climáticas, como noticiou o PÚBLICO.

As sociedades capitalistas vivem obcecadas com a produtividade e o crescimento, mas a Terra não suporta mais esse ritmo. É doentio. Para nós e para tudo o que está à nossa volta. Será necessário começar a olhar o planeta e os seus recursos de forma holística, em que tudo está conectado e é interdependente, de modo a garantir que quem sai beneficiado é o colectivo, a longo prazo, em vez de se assegurar os ganhos a curto prazo que, neste momento, estão nas mãos de uma reduzida percentagem da população mundial. É a única forma de se construir o futuro com sustentabilidade. A solução é decrescer.

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