Não digo nenhuma novidade ao afirmar que o professor Eduardo Lourenço era um pensador incontornável da portugalidade em todas as suas manifestações, tendo assumido um compromisso cívico e político inseparável da sua vida cultural.
A sua obra marcou-me profundamente, enquanto estudante da licenciatura em Estudos Portugueses na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, e as páginas de reflexão presentes nos seus ensaios foram, muitas vezes, a minha companhia das longas viagens de comboio imersas na nostalgia ecoada pela visão, à janela, do rio Douro.
Não esquecerei esses momentos em que, enquanto aluno, travei profícuos diálogos com Lourenço, o leitor atento de Pessoa, que me propôs uma viagem inesquecível no universo dos heterónimos, sempre com uma dose aguda de ironia e de sagacidade intelectual. De facto, ele (re)inventou o poeta que lia apaixonadamente, transmitindo-me por osmose essa mesma paixão, e fez-me construir os meus próprios “labirintos da saudade”.
Hoje, enquanto portugueses, os nossos próprios “labirintos da saudade” estão em permanente construção, mas estou convicto de que o pensamento humanístico de alta craveira, como o que nos é deixado, nunca morrerá.
O seu falecimento na madrugada do dia 1 de Dezembro retoma uma profecia curiosa. Afinal, o homem que dedicou a vida a pensar Portugal partiu no dia em que se celebra a restauração da Independência, muito perto também do aniversário da morte de Pessoa. “No tempo em que festejavam o dia dos meus anos / Eu era feliz e ninguém estava morto”, escrevia Álvaro de Campos, num verso que corporiza o vazio causado por este desaparecimento físico. E assim serão os sucessivos aniversários de releitura das palavras de Eduardo Lourenço, numa obra que não esmorecerá face às traições do esquecimento colectivo.
O conhecimento aprofundado de Eduardo Lourenço da língua materna e do património cultural e civilizacional escrito tornam-no um vulto português com representatividade universal. A sua visão sistemática de Portugal e da Europa concedem-lhe o título de ensaísta mais marcante das últimas décadas, designação que lhe é atribuída com justiça.
Ainda em Abril, confrontado com o falecimento do meu pai, mergulhei nas palavras do filósofo a propósito da “tragédia adiada que a vida é”. É nessa relação com cada um de nós que a sua obra poderá perdurar eternamente. A vida é tão precária, só o pensamento nos salva.